Quando se fala dos profetas da Bíblia na política, é preciso entender como esse papel funcionava naquele tempo. Profeta não era alguém que buscava poder, cargo ou influência no governo. Ele surgia fora do sistema, como uma voz incômoda. Aparecia quando reis, autoridades e líderes ultrapassavam limites. Não pedia espaço, não negociava discurso e não moldava a mensagem para agradar quem governava.
Na Bíblia, os profetas lidavam diretamente com decisões políticas. Falavam sobre guerras, alianças, impostos injustos, exploração do povo e abuso de poder. Natã entrou no palácio para confrontar o rei Davi quando houve abuso de poder. Elias enfrentou o governo de Acabe e denunciou a mistura entre poder político e interesses religiosos. Jeremias criticou decisões do governo de Judá e, por isso, foi preso e tratado como inimigo do Estado.
Um dos exemplos mais claros dessa relação entre profeta e política é Samuel. Samuel não foi apenas profeta, mas também juiz e líder nacional. Ele atuou diretamente na transição política de Israel, quando o povo pediu um rei. Samuel alertou sobre os riscos do poder concentrado, dos impostos e da opressão que viriam com a monarquia. Mesmo assim, o povo insistiu, e Samuel ungiu Saúl, o primeiro rei de Israel. Samuel participou do processo político, mas não se tornou aliado do rei. Quando Saúl desobedeceu e usou a religião para sustentar o próprio poder, Samuel o confrontou e declarou que ele perderia o reino. O profeta não protegeu o governo; manteve os princípios.
Mesmo quando algum profeta atuava próximo ao Estado, como Daniel, ele não adaptava sua fé ao sistema político. Daniel ocupou funções administrativas em governos estrangeiros, mas se recusou a obedecer leis que contrariavam sua consciência. Por isso, foi perseguido. O profeta bíblico falava para o poder, não em nome do poder.
Esse padrão se repete em toda a Bíblia. Profetas como Isaías e Amós denunciaram injustiças sociais, corrupção e exploração promovidas por líderes e sistemas políticos. A palavra profética não era confortável, nem conveniente. Era confronto, alerta e correção.
Quando se observa os chamados profetas dos dias de hoje na política, o cenário muda. Em muitos casos, não se trata de alguém de fora confrontando o sistema, mas de alguém alinhado ao sistema, defendendo projetos, líderes ou ideologias. A palavra deixa de ser correção e passa a ser discurso. Em vez de incomodar o poder, acaba sustentando o poder.
Essa é a diferença central. Na Bíblia, o profeta não disputava espaço político, não buscava vantagem institucional e não protegia governo. Protegia princípios, mesmo que isso custasse prisão, rejeição ou perseguição. Hoje, o termo “profeta” muitas vezes permanece, mas a função exercida dentro da política é diferente do modelo bíblico.
Isso não é ataque a pessoas, igrejas ou nomes atuais. É uma comparação histórica entre o papel dos profetas no texto bíblico e o uso moderno desse título no ambiente político. O nome pode ser o mesmo, mas o papel, claramente, não é.
Por Kelly Maria Ferreira

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