O Ministério Público Federal (MPF) investiga supostas fraudes cometidas por empresas de vigilância, limpeza e conservação em Brasília. O ato ilícito consiste na mudança de enquadramento tributário. Na prática, ao extrapolar o regime de lucro real ou presumido, esses grupos criam microempresas, registradas no Simples Nacional, com o objetivo de pagar menos impostos.
Este mês, o MPF acatou denúncia anônima contra empresas sediadas no DF. O processo está nas mãos do procurador da República Francisco Guilherme Vollstedt Bastos, lotado no gabinete do 1º Ofício Criminal. Como as investigações correm em sigilo, o órgão disse que não poderia, neste momento, comentá-las. No entanto, a reportagem apurou que ao menos seis pessoas jurídicas estão na mira do Ministério Público Federal: Clean Service, Sollo, Qualifoco, Excelência Serviços, B2B e A Casa do Síndico.
As companhias citadas na denúncia ao MPF possuem contratos em grandes órgãos, como no caso da Clean Service, que atende a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Centenas de condomínios residenciais do DF, especialmente em Águas Claras, também contrataram serviços das investigadas.O mecanismo utilizado nas fraudes é semelhante. Assim que ultrapassam o limite máximo de faturamento previsto no Estatuto das Micro e Pequenas Empresas – R$ 4,8 milhões ao ano –, os empresários abrem outras microempresas em nome de “laranjas”.
Essas pessoas geralmente são parentes, empregados ou alguém de confiança. Muitas vezes, os “filhos” da empresa principal têm logomarca e endereço idênticos. Também prestam o mesmo tipo de serviço. Se consideradas isoladamente, elas estão dentro do limite de ganhos, mas, levando em conta o conjunto econômico do qual fazem parte, o rendimento ultrapassa o permitido por lei.
A reincidência de crimes fiscais no segmento chegou a ser denunciada à Receita Federal em agosto de 2017, mas não resultou, até o momento, em qualquer punição. Agora, quem fecha o cerco é o Ministério Público.
Artimanha comumA Receita Federal afirma que a “infração de fragmentação de empresas para permanecer no Simples Nacional é comum”. O órgão diz ainda que, quando a fiscalização identifica essas situações, é efetuado o lançamento dos tributos sonegados, acrescidos de multa e juros.
Em outra linha, dentro do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), a Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Tributária é quem analisa esse tipo de violação, classificada como “recorrente, inclusive por orientação de contadores”.
Ao tomar conhecimento dos casos, o Ministério Público inicia uma apuração compartilhando informações com o Fisco para que seja verificado se há crime. Dependendo da gravidade do caso, a Polícia Civil é acionada para instauração de inquérito. Se comprovada a fraude, a Receita Federal autua a empresa, e o MPDFT pode entrar com ação criminal.
Conivência estatal
Apesar da atuação dos órgãos de investigação, fiscalização e controle, muitas vezes o estímulo às irregularidades vem do próprio poder público, que homologa concorrências públicas com empresas já punidas.
A Receita Federal tem feito uma caça às bruxas, mas há uma conivência do setor público com essas licitações. Ainda assim, essa realidade está mudando
“
José Simões, professor de administração e políticas públicas do Ibmec DF
A burla fiscal tem dois efeitos nefastos: ao mesmo tempo em que frustra receita dos governos federal e local com a arrecadação de impostos, acaba promovendo concorrência predatória. Com mais poder econômico as empresas que se “pulverizam” em pessoas jurídicas distintas, conseguem ofertar serviços a preços mais baixos, prejudicando outras companhias.
Para Simões, quem trabalha corretamente não consegue vencer licitações. “Como essas empresas (menores) conseguem pegar serviços grandes sem ter atestado de capacidade técnica? Mas acaba que são todas companhias ‘encostadas’ nas grandes. Assim, acabam vencendo as concorrências e tornam a competitividade justa inviável”, diz o especialista.
Setor bilionárioO último levantamento da Federação Nacional das Empresas de Serviços e Limpeza Ambiental (Febrac), feito em 2012, revelou que o setor fatura, em média, R$ 32 bilhões e emprega diretamente quase 2 milhões de trabalhadores. Em todo o DF, segundo a Febrac, 60 mil pessoas atuam no setor de limpeza.
Em tributos federais e recolhimentos obrigatórios (PIS/Cofins, CSLL, IRPJ), o setor repassa quase R$ 4 bilhões anuais aos cofres públicos. Acrescidos os aportes de FGTS, INSS e Sistema, S o montante chega a R$ 10 bilhões.
Confira as acusações contra as empresas e a resposta de cada uma:
Clean Service: acumula pelo menos quatro processos. Foi absolvida em dois: um na Receita Federal, após longo processo administrativo iniciado em 2014; outro por representação criminal, arquivado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Desde 2016, o grupo responde por sonegação fiscal no Ministério Público Federal (MPF). Outra ação está em andamento no TRF.
Os sócios da empresa possuem grau de parentesco. O compartilhamento de telefones e a repetição de endereço – três delas estão lotadas na 307 Norte – foi anexada na denúncia. Outra reclamação é a de que a Clean Service deixa explícito o desconto por combinar a prestação de suas empresas optantes pelo Simples e enquadradas no regime de lucro resumido.
À reportagem, a Clean Service nega irregularidades e diz atuar “no mercado de prestação de serviços de forma legal e totalmente idônea, cumprindo fielmente com suas obrigações tributárias e fiscais”. Não respondeu, no entanto, sobre as investigações em curso.
B2B: está lotada em um mesmo endereço no Guará. São três nomes fantasias distintos, com duas optantes no Simples. Uma mesma pessoa, Wilhomar Basílio Sampaio, é o dono das três.
A B2B disse que toda a tributação incidente no seu ramo de atividade é recolhida de acordo com a legislação vigente. Não disse, no entanto, a quais processos respondeu e se chegou a ser notificada por fraude fiscal.
Excelência Serviços: está localizada em Águas Claras, com um mesmo nome fantasia para duas razões sociais distintas, sendo apenas uma delas optante do Simples Nacional.
À reportagem, a Excelência Serviços disse que a manifestação “é caluniosa e não procede”. “Nunca ultrapassamos o limite de faturamento. Trabalhamos com empresa específica para cada ramo de atuação permitida por lei.”
Sollo: denunciada à Receita Federal, é constituída por
grupo econômico pertencente ao mesmo empresário, Carlos Alexandre Martins Hoff. A denominação Sollo se repete na razão social ou nome fantasia, o que dificulta a diferenciação da mesma pelos clientes.
Telefones e endereços também são comuns.
A empresa não respondeu aos questionamentos da reportagem até a última atualização desta matéria.
A Casa do Síndico: possui quatro razões sociais diferentes, mas um mesmo nome fantasia. As quatro estão localizadas no mesmo prédio em Águas Claras, mudando apenas a sala. Todos os sócios pertencem à família Munhoz. Duas estão enquadradas no Simples Nacional. As outras, não.
A empresa não respondeu aos questionamentos da reportagem até a última atualização desta matéria.
Qualifoco: tem como proprietários um casal. Duas filhas constam como donas de microempresas do grupo, com quatro dos cinco nomes fantasia repetidos: Qualifoco.
A empresa não respondeu aos questionamentos da reportagem até a última atualização desta matéria.