Cientistas debatem os custos e ganhos da tecnologia – até quando menos empregos compensam maior produção?
Sophia. o primeiro robô a receber cidadania de um país, pela Organização das Nações Unidas | Foto: Reprodução /Wikimedia Commons
Por Italo Wolff
Desde 1985, cientistas envolvidos com o projeto Mapbiomas analisam fotografias tiradas por satélites para produzir dados acerca de desmatamento, produção agrícola, degradação de pastagens brasileiras. Há 33 anos, as imagens eram examinadas pixel a pixel à moda antiga: com os olhos. Mais recentemente, entretanto, os dados acumulados foram alimentados a um algoritmo de inteligência artificial que “observou” cientistas distinguindo entre lavouras e florestas até que fosse capaz de fazer o mesmo.
Em sua pós-graduação, Leandro Parente, doutorando em ciências ambientais pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás (UFG), utiliza o algoritmo para mapear as pastagens. Seu trabalho pode ser acompanhado no Atlas das Pastagens Brasileiras, onde ele consegue monitorar dinamicamente o avanço da degradação ambiental via satélite e até mesmo alertar autoridades quando áreas protegidas são devastadas. Tal trabalho seria impossível, ou demandaria um exército de analistas, se não fosse a inteligência artificial (I.A.) rodando nos 60 processadores doados ao Lapig pela Embrapa.
Leandro Parente monitora áreas de pastagem por satélite com auxílio de inteligência artificial | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção
Este avanço é nada menos do que uma nova revolução industrial, segundo Anderson da Silva, integrante do principal laboratório de inteligência artificial do país, o Deep Learning Brasil. “A característica das demais revoluções industriais foi a automatização do trabalho mecânico, braçal. Esta nova revolução atinge o trabalho intelectual também. Isso dá medo nas pessoas, mas em todas as revoluções tecnológicas o saldo foi positivo para a sociedade. No final das contas você tem redução de custos, maior disponibilidade de produtos e serviços”.
A nova revolução
A mudança abrupta na forma como o trabalho é realizado vem associado ao modo como a tecnologia evolui. Como revelam os gráficos de números de cálculos por segundo ao longo dos anos, o avanço do poder computacional é exponencial e dobra a cada 18 meses. O que significa que dentro de 18 meses, teremos duas vezes mais poder de processamento do que a humanidade conseguiu produzir até hoje.
Anderson Soares ilustra como a nova tecnologia atingirá todas as áreas que conhecemos através de um exemplo: “Temos alguns grandes especialistas em tarefas muito específicas, como técnicos em olhar radiografia de tórax para diagnóstico de tuberculose. Temos também dificuldade de acesso a profissionais muito especializados no interior do Brasil. A inteligência artificial substitui a necessidade desses grandes especialistas estarem fisicamente lá”.
O exemplo de Anderson Soares é muito semelhante a uma iniciativa que já existe e foi acelerada pelo Centro de Empreendedorismo e Incubação (CEI) da UFG. André Ramos, engenheiro biomédico, criou o software Mindify, em que médicos inserem dados clínicos sobre um paciente e recebem apoio para diagnosticar doenças e têm procedimentos burocráticos automatizados. O software funciona porque tem um enorme banco de dados e acesso a decisões médicas acertadas do passado, portanto sabe quais conjuntos de sintomas podem significar determinadas doenças com a precisão de médicos reais.
André Ramos explica que, ao economizar o tempo dos médicos estruturando dados sobre pacientes, a startup reduz os preços da Saúde e promove a aplicação da Medicina Baseada em Evidências em larga escala.
Startup Mindify agiliza diagnósticos médicos e reduz o custo da saúde | Foto: Reprodução
Através de Inteligência Artificial, o Mindify automatiza trabalhos altamente especializados, mas repetitivos, e ilustra o fato de que a Saúde é a área que mais investe na I.A., em números absolutos. Anderson da Silva Soares enumera mais uma característica da área: em todo o mundo há uma procura da iniciativa privada pelo conhecimento das universidades. Elas foram recentemente colocadas na esteira de produção de grandes empresas, que vêm substituindo seus funcionários por algoritmos capazes de aprender a realizar trabalhos humanos.
Disputa desleal
Enquanto empregos serão substituídos pela inteligência artificial, oportunidades inteiramente novas surgem no processo. Há uma demanda mundial de profissionais de tecnologia, ciência de dados e inteligência artificial, segundo a Agência de Estatísticas do Trabalho. Entretanto, é interessante lembrar que a divisão dos PIBs de países pela produtividade ao longo dos anos revela que, enquanto a tecnologia possibilitou um aumento das riquezas, esse crescimento é acompanhado pelo crescimento desproporcional dos desempregados.
É simples visualizar a situação: eram necessárias muitas pessoas para colher trigo à mão, menos foram precisas com a invenção do arado de tração animal, e hoje é necessária apenas uma para pilotar a colheitadeira, enquanto isso a produção de trigo apenas aumentou. O debate da proteção de empregos contra o avanço da tecnologia é supérfluo, conforme mostram os luditas e explica Altair Camargo, consultor do Centro de Empreendedorismo e Incubação da UFG, e professor de marketing e mídias sociais.
“Cabe ao profissional se especializar e continuar competitivo”, afirma Altair Camargo. Ele explica que a tecnologia vem avançando mais rapidamente do que a educação das pessoas para lidar com ela. Apesar de ser uma disputa desleal, não há outra alternativa para o público afetado pela tecnologia a não ser se qualificar, já que cientistas e engenheiros continuarão fazendo seu trabalho até que as próprias máquinas e computadores consigam melhorar a si mesmos. Embora pareça um cenário de distopia científica, o ponto em que o crescimento tecnológico se torna incontrolável e irreversível (chamado singularidade tecnológica) está previsto para assustadoramente próximo, 2040, como Ray Kurzweil, diretor de engenharia do Google,
explicou ao jornal The Guardian.
Proteção de dados
Altair Camargo afirma que a revolução é ainda mais notável na área das redes sociais. O sistema de recomendações de vídeos do YouTube ou a decisão de viralizar esta ou aquela postagem no Facebook obedecem a um algoritmo constantemente atualizado por I.A., que analisa o padrão de consumo do usuário e tenta prever seus gostos. O princípio é que, fornecendo o que o consumidor quer, a empresa o tornará um cliente fiel.
Altair Camargo afirma que futuro da coleta de dados será o ‘marketing um para um’ | Foto: Reprodução
Em princípio, muitas pessoas escolhem o conforto de ter conteúdo – de notícias à bobagens – escolhidas para elas e de bom grado estendem a comodidade à recomendação de produtos. Na verdade, explica Altair Camargo, muitas pessoas expõem propositalmente suas vidas em redes sociais como o Instagram. “Elas pensam ‘quem não deve não teme’, ou são obrigadas a clicar em ‘aceitar os termos de uso de serviço’ sob pena de ficar sem determinada tecnologia”.
No fim deste raciocínio haverá o marketing um para um, explica o professor. “Uma coisa é saber o que um grupo de pessoas gosta; outra é saber o que uma pessoa individual gosta. A coleta de informações a ponto de conhecer uma pessoa tão profundamente é o sonho de qualquer empresa, e algumas chegarão a isso – bastam dados”. Com um banco de dados amplo o suficiente, a Inteligência Artificial é tão eficiente em prever eventos futuros com base em fenômenos passados que até mesmo o comportamento de compra de pessoas será previsível.
Anderson Soares afirma que o Brasil deu o primeiro passo na direção da criação de uma legislação para o controle da tecnologia com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709). Porém, a legislação não é suficiente, conforme explica o PhD. “Precisa haver uma disciplina social, porque restrições legais são ineficientes e paralisam soluções. Quer proibir Fake News? Você acaba com boa parte das postagens em redes sociais. Existe um trade offentre custos disso e ganhos”.
PhD, Anderson Soares afirma que passamos por nova revolução industrial | Foto: Reprodução
Fonte :Jornal Opção
Altair Camargo lembra que é difícil ensinar máquinas a distinguir entre Fake News e um mero erro do jornalista, portanto, proibir notícias falsas seria o mesmo que proibir a atividade jornalística. A saída, segundo o professor, tem de partir dos usuários: “Falta uma educação das pessoas. Usuários têm de ser informados que existem fake news e como identificá-las. Posso escrever qualquer coisa num papel e colar num poste; por que as pessoas não acreditariam? Porque sabem que qualquer um pode ter escrito aquilo, a mesma coisa serve para jornais versus fontes anônimas na internet”.