Joe Cocker se apresenta no festival de Woodstock em show realizado no dia 17 de agosto de 1969 - Foto: Divulgação
Após Woodstock, artista se projetou no cenário mundial. Primeiros discos são importantes para a música dos anos 60
Joe Cocker, o cantor britânico que faria 80 anos se estivesse entre nós, garganteava rouquidão em decibéis arrepiantes. Retumbava nas caixas de som uma melancolia afinadíssima. Como se fosse uma lâmina cortando a caretice numa madrugada bêbada, a voz de Cocker insuflava um universo de novas energias. Era capaz de jorrar litros de desejo.
Aquele arranjo, arranjo de metal (verdadeira metaleira, diria eu), representava a ferocidade dos amantes. “You Can Leave Your Hat On” ensinou para uma geração os encantos de se embrenhar pelas delícias carnais. Foi a trilha sonora do filme “Nove Semanas e Meia de Amor”, sucesso de bilheteria dirigido pelo cineasta britânico Adrian Lyne, em 86.
Nascido em 20 de maio de 1944, em Sheffield, Reino Unido, Cocker atravessou parte considerável dos anos 60 preocupado em trabalhar como jornaleiro ou instalador de gás para pagar as contas. Em 1959, começou a tocar bateria e gaita. Criou, então, o grupo Cavaliers. Logo depois, foi rebatizado para Vance Arnold – com Joe Cocker nos vocais.
Na primeira metade dos anos 60, a banda abriu para os (quase) famosos Rolling Stones. Em 64, lançou sua versão para “I'll Cry Rather”, dos Beatles. A carreira, ainda que com timidez, começaria a decolar no ano seguinte, quando formou o grupo Grease Band para tocar músicas da Motown em pubs pelo norte da Inglaterra. Em 68, conseguiu um pequeno sucesso regional ao gravar a balada “Marjorine”, publicada agora sob o nome Joe Cocker.
Filho da classe proletária, arregimentou reputação com versões de composições assinadas por Chuck Berry e Ray Charles. Contudo, virou celebridade após a impactante “With a Little Help From My Friends”, de John Lennon e Paul McCartney, durante o festival de Woodstock, em 69 – talvez uma das maiores performances feitas por um artista na história.
"Me lembro dele e Denny Cordell vindo ao estúdio em Saville Row e tocando para mim o que eles haviam gravado e foi simplesmente alucinante. Transformou a música em um hino do soul e fiquei eternamente grato por ele ter feito isso"Joe Cocker, cantor e compositor
Aos 26 anos, John Robert Cocker tentava a todo custo se tornar uma estrela. Fazia questão de explicitar a devoção que tinha pela música afro-americana, que conseguiu levar com perfeição para o individualizado mundo do rock, nos anos 70. Era a tal “década do eu”, segundo o jornalista Tom Wolfe, de forma que a utopia hippie decidira ir dormir já sentindo os efeitos torturantes da ressaca. Não sem antes, na verdade, Cocker sensibilizar o planeta.
Soulman feroz, transformou “With a Little Help From My Friends” num hino alucinado. Primeiro, como carregava a emoção nas cordas vocais, adaptou a canção à sua região de canto, mais grave do que naquela versão feita pelos Beatles. Depois, dispensou a acentuação infantilizada dada por Ringo Starr e, por fim, criou um arranjo matador – com introdução tocada num órgão, riff de Jimmy Page, bateria de BJ Wilson e backing vocal feminino.
Paul McCartney se diz satisfeito com a releitura de Cocker. “Me lembro dele e Denny Cordell vindo ao estúdio em Saville Row e tocando para mim o que eles haviam gravado e foi simplesmente alucinante. Transformou a música em um hino do soul e fiquei eternamente grato por ele ter feito isso”, afirma o beatle à revista “Billboard”. “With a Little Help From My Friends” alcançou o primeiro lugar nas paradas britânicas.
Contracultura
É intrigante observar que Cocker ingressou no olimpo da contracultura com soul explosivo. Um estilo totalmente distinto daquele identificado com o verão do amor, a psicodelia. Também chega a ser interessante perceber que ele se dedicou a isso enquanto seus colegas de geração estavam preocupados com rock e blues. E, sem tempo a perder, lançou dois discos matadores: “With a Little Help From My Friends” (1969) e “Joe Cocker” (1969).
Embora tivesse 24 anos, a voz amplificava a negritude. Soava madura. Por vezes, penetrava nos estados mais profundos da condição humana, num grito quase sempre apressado. “Cocker assimilou a influência de Ray Charles a tal ponto que seu sentimento pelo que ele está cantando não pode realmente ser questionado”, reflete o crítico John Mendelsohn, em uma resenha publicada na “Rolling Stones” quando o primeiro disco saiu, em 1969.
Emulando Ray Charles e curtindo Otis Redding (duas das maiores santidades do soul), a garganta britânica de Cocker chegou à virada dos anos 60 para os 70 já dona de fórmula própria para criar obras emotivas. Se fosse o caso, todavia, sabia bem quanto abaixar o ritmo, tal qual se ouve na sutil “Just Like a Woman”, releitura de canção escrita por Bob Dylan, ou na deliciosa “Bird On The Wire”, petardo da lavra do poeta Leonard Cohen.
Às vezes, Joe Cocker poderia frasear, imaginando-se numa igreja no sul dos Estados Unidos – como fez na versão comovente do hino “Something”, escrita pelo beatle George Harrison. Na década de 70, teve problemas com drogas. Ele subia ao palco, mas esquecia a letra – e, durante uma turnê pela Austrália, em 1972, acusaram-lhe de portar maconha.
Joe Cocker, lenda do rock. Foto: Youtube/ ReproduçãoViria ao Rio de Janeiro pela primeira vez, em 1977 – tocaria por aqui ainda noutras duas ocasiões, nos anos de 1991 e 2012. “Se eu fosse mentalmente mais forte, teria me afastado da tentação”, lamentou Cocker, ao jornal britânico “The Daily Mail”. “Mas não havia reabilitação naquela época. As drogas estavam prontamente disponíveis e eu mergulhei de cabeça. E uma vez que você entra nessa espiral descendente, é difícil sair dela.”
John Robert Cocker sobreviveu à atravessaria pelos paraísos artificiais. A partir dos anos 80, sintonizou-se às demandas da indústria fonográfica. Para os executivos, aquela voz grave ainda poderia emocionar o público vocalizando baladas românticas. De seu gogó, nasceram os hits “When a Man Loves a Woman”, “What Becomes of the Broken Hearted” e, claro, “Your Are So Beautiful”. Joe Cocker morreu no dia 22 de dezembro de 2014, aos 70 anos.
Fonte: https://www.dm.com.br/
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