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domingo, 28 de julho de 2013

Religião: bênção ou maldição?

Sociedade
Religião: bênção ou maldição?
O papa Francisco no Brasil e tudo o que o cercou fez levantar uma velha polêmica: até que ponto a crença pode ser benéfica ou prejudicial ao homem e à sociedade?
Ilustração da Noite de São Bartolomeu, em 1572, quando multidão de protestantes foi massacrada por reis católicos
Elder Dias
Com a vinda do papa Fran­cisco para a Jor­nada Mundial da Ju­ven­tude, no Rio de Janeiro, o Brasil viveu uma semana de foco intenso na religiosidade como há muito tempo não se via. A mídia e as redes sociais se envolveram com o tema e houve debates sobre doutrinas eclesiais “liberais” e “conservadoras” — adjetivos às vezes de forma errônea confundidos, respectivamente, com “progressistas” e “reacionários”.

Mas, enfim, a religião melhora ou piora o mundo? Diante de crentes, de pessoas místicas, essa parece ser uma pergunta retórica: soa óbvio que, ao pregar o bem e listar uma série de leis eticamente positivas descritas em livros sagrados, está respondida a questão. Para provar, estão aí os exemplos de Madre Teresa de Calcutá (em breve a mais nova santa católica), Irmã Dulce, São Francisco de Assis, Chico Xavier, Martin Luther King (pastor e ativista), Gandhi (líder hinduísta, além de político e pacifista), Sidi Mahmoud Ben Amar (considerado um santo muçulmano) e tantos outros. Pessoas que deixaram o mundo melhor e professavam, senão uma religião, certamente alguma religiosidade.

Os ateus e agnósticos também podem considerar a questão tão evidente quanto, pelo lado oposto: a religião mata, manda matar e deixa morrer. Fatos históricos não faltam. Pelo contrário, são abundantes: a Noite de São Bartolomeu, um massacre aos protestantes na França pelos reis católicos, em 1572; o Domingo Sangrento, exatamente 200 anos depois, em que católicos desarmados foram massacrados em uma manifestação pacífica em Derry, na Irlanda do Norte, e que ficou célebre em “Sunday Bloody Sunday”, música do grupo U2; as cruzadas da Idade Média; o eterno conflito entre judeus e árabes; e o mais assombroso e apocalíptico capítulo da contemporaneidade — com um revide violentíssimo —, o ataque às torres gêmeas do World Trade Center, em 2001.

Dessa forma, se há o bem que se prega nos altares, livros e púlpitos — e há —, as diversas crenças são também acusadas de propagar perseguição e ódio aos “diferentes”, aqueles que não seguem exatamente (e “exatamente”, no caso, pode às vezes ser um termo levado ao pé da letra por alguns mais convictos) o que pregam tais leis.

Para saber sobre o papel da religião, os olhos da razão. Por que não direcionar a questão, portanto, a intelectuais? O Jornal Opção procurou pensadores para falar acerca do tema. Um foi o professor Jean-Marie Lambert, da área de Direito Internacional e Economia Política de uma instituição educadora religiosa, a Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Mais do que qualquer título, é polêmico em suas opiniões, quase um franco atirador — esquerdista declarado, recentemente disse que “o Brasil precisa agora é da direita, pois a esquerda não sabe o que faz” (Jornal Opção 1981).

Para Lambert, antes de tudo a religião representa uma ferramenta de controle social, de domínio, o que não é necessariamente ruim: pode conduzir a uma ditadura teocrática, mas também ser um instrumento de libertação. “Sou herdeiro direto do espírito científico europeu [Lambert nasceu na Bélgica], do racionalismo, mente tipicamente cartesiana, com um pé na cultura brasileira [veio para o Brasil há mais de 40 anos] e outro na europeia. Venho de um lugar que quis recolocar a razão no centro com o iluminismo. Pôr Deus de lado era uma necessidade naquela época, depois de dois séculos de guerras religiosas”, conta.

O mundo moderno e o modo de produção capitalista vêm condicionando a religião a um papel secundário, de acordo com a conveniência. O poder religioso sente o baque. Não poucas vezes os papas, desde Paulo VI [pontificado de 1963 a 1978], redigiram documentos para condenar o capitalismo — embora a luta contra o comunismo, especialmente com João Paulo II, tenha sido talvez ainda maior. Mesmo assim, o processo de secularização se acentua, a Igreja perde fiéis para outras denominações, mas principalmente para o grupo dos “sem religião”. E o mundo ficou melhor por causa disso?

Não, diz o professor Lambert. “Hoje, na Europa há um fenômeno que a ciência política chama de fundamentalismo ateu ou ateísmo fundamentalista. Consiste em perseguir qualquer sinal exterior de religiosidade. Na França querem proibir símbolos religiosos. Não deixam uma menina entrar com um véu na escola. Mas ela pode entrar uma menina com os cabelos pintados de rosa, com um piercing no nariz, isso pode. Não dá para não ver uma contradição nisso”, raciocina.

O laicismo pregado na França, bem como em boa parte da Europa, sob o olhar do professor da PUC, está deturpado. Por definição, o conceito de laicismo diz respeito a uma ausência de envolvimento religioso em assuntos governamentais, mas também ausência de envolvimento do governo nos assuntos religiosos. Uma indumentária ou um objeto que seja símbolo religioso em uma estudante, ainda que de escola pública, é algo a ser reprimido? “Juntamente aos itens da religiosidade, valores de família também se perderam um pouco nesse fundamentalismo laico”, ressalta Lambert.

Outro professor, Arnaldo Bastos, que atua na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), se considera um “livre pensador ecumênico”. “Minha ‘missa’ é o jogo do Goiás”, blasfema, torcedor esmeraldino fanático que é. “Sobre religiosidade, compartilho da opinião de Mário Vargas Llosa [escritor peruano], de que a religião é socialmente necessária e faz muito para refrear os instintos mais agressivos do homem comum. Neste sentido, não tenho dúvidas, a religião é mais benéfica do que lesiva para a sociedade”, resume.

O mundo está cada vez mais e menos religioso



Um aviso no fim das propagandas de cerveja deveria servir também para a religião: não faz mal, mas aprecie com moderação. O fato é que, cada vez mais, há duas correntes puxando o carro da religiosidade, uma para cada lado: de um deles, o fundamentalismo; do outro, o ativismo ateísta. Ou oito ou oitenta.

Logo, ao mesmo tempo, o mundo está ficando mais e menos religioso: os ícones religiosos estão cada vez mais na berlinda dos antir-religiosos, bem como “Satanás” é visto em tudo aquilo que não representa a própria fé, no grupo oposto. Perde-se o preceito aristotélico de que a virtude está no meio — aliás algo que o mestre oriental Confúcio também teria dito. A virtude como o meio entre dois vícios: as ações e pregações de radicais opostos.

O professor Arnaldo Bastos, da UFG, ataca a questão por ponto básico: a moral. “Este é o paradigma perdido da sociedade. É impossível reunificar a sociedade em torno de uma moral única. A fragmentação vem da ultracomplexidade da nossa sociedade. Não tem volta, salvo cataclismas ou guerras devastadoras, nossa complexidade somente aumentará”, discorre.

Há, no entender do professor, uma multiplicidade e uma multiplicação de moralidades querendo recompor o “paradigma perdido da grande moral unificadora e inquestionável”. A saída (ou quase o mal menor) seria o Estado laico e a democracia, “indispensáveis para lidar com a sociedade da fragmentação moral”.

A democracia, então, acaba sendo também o território de afloramento de conflitos que tangenciam a religião ou a ausência dela. Discussões sobre os limites da vida humana, a bioética e a sexualidade geram sempre grandes batalhas entre os ativistas laicos e religiosos.

O Brasil viveu um exemplo de radicalismo por uma questão religiosa, com a posse do deputado e pastor Marco Feliciano (PSC-SP), como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDH) da Câmara dos Deputados. Duas militâncias se engalfinharam e se desrespeitaram: uma, laica e estruturada em torno do movimento LGBT, exigindo a saída do pastor do cargo em que fora colocado; outra, evangélica e igualmente articulada, defendendo a permanência (e, em certo momento, até a resistência) de Feliciano no cargo.

A defesa árdua e dura das duas posições passou dos limites algumas vezes, em nome da democracia. Jean-Marie Lambert considera que os valores religiosos têm seu lugar na mecânica legislativa. E, polêmico, apoia a permanência do deputado no cargo. “Feliciano foi eleito democraticamente, representa determinados valores e nosso sistema é organizado para canalizar esses valores. A lei é a expressão formal da vontade política. Ele representa uma parcela de poder e isso precisa repercutir.”

E a reação do movimento gay? “Temos uma parcela da população que não quer [Feliciano no cargo], uma vez que não é o resultado que esperam, e começa a desrespeitar esse resultado. Embora não compartilhe dos valores de gente como Feliciano, tenho de apoiá-lo 100% porque ele está onde está por conta do exercício da democracia”, afirma Lambert.
“O marxismo também é uma crença”, afirma professor

No cerne de qualquer crença está uma convicção irrefutável. Nesse sentido, tanto o ateísmo quanto as ideologias políticas utópicas têm um lado religioso, garante Arnaldo Bastos, da UFG. “São absolutismos filosóficos: todos acham que possuem uma chave especial que dá acesso a uma verdade exclusiva, a verdade ‘científica’. Nesse caso, os não crentes podem fazer tanto dano quanto os fundamentalistas religiosos tradicionais”, disserta o professor.

O marxismo se torna um exemplo de simulacro de religião, na visão de Bastos. “Veja o marxismo: tem um messias, que é o proletariado; um profeta, que é Karl Marx; há os mártires da causa, como Che Guevara; tem um reino dos céus — a sociedade comunista; e um livro sagrado, que é ‘O Capital’. Que mais falta para ser uma religião?”, conclui.

Sociólogo da religião e professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG, Flávio Sofiati faz uma defesa de Marx, porém. “Não é verdade que Marx tenha mandado perseguir a religião”, afirma. A caça aos religiosos pelo Estado ateu, que rendeu muitos massacres na história mundial, teria se baseado em uma citação da “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, em que o pensador alemão diz que “a religião é o ópio do povo”.

“Não era exatamente para combater a religião que Marx escreveu esse trecho, mas para relatar que a crença era algo que trazia o homem para uma outra realidade, aceitável, diante de um quadro duro, de sofrimentos”, argumenta Sofiati. “Por isso a figura do ópio, uma substância que anestesia, que alivia a dor.”


Pedido de desculpas

“Sou da geração de maio de 1968. Estive em Woodstock, vi e ouvi Jimi Hendrix e Joe Cocker. Mas hoje eu pediria desculpas pelo que minha geração produziu.” A frase forte é de Jean-Marie Lambert, que viveu o espirito da juventude dos revolucionários anos 60. “Minha geração tinha a impressão de estar fazendo uma grande coisa para o mundo. Depois de velho, olhando para trás, eu quase gostaria de me desculpar: o que fizemos foi detonar os valores fundamentais sobre os quais se constrói tudo. Hoje não acredito que se possa propor uma ‘ordem social’ funcional, operacional, detonando o conceito clássico de família. Pelo contrário, assim se fabricam conflitos, gente problemática, disfuncionais.”

E a perda de Deus e da religião é lamentada, então, por um iluminista. “Penso que o Brasil como o Ocidente em geral, está perdendo Deus, que é um referencial fundamental. Não precisa ser catolicismo ou protestantismo, mas é uma forma de espiritualidade é essencial para a funcionalidade do mundo, para a salvação do homem já aqui na Terra”, diz Lambert.

FONTE:JORNAL OPÇÃO

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