quinta-feira, 25 de julho de 2013

A SECA DA POLÍTICA

A SECA DA POLÍTICA

MARISTELA BERNARDO - Jornalista e socióloga, 
Porta-voz da ‪#‎REDE‬ DF 



Em mais de 30 anos em Brasília, sempre me marcou a passagem da estação chuvosa para a seca, de início suave e depois com braveza incomum até atingir o total desconforto de agosto, um mal-estar contraditório com a beleza da sequência de deslumbrantes florações anunciando a proximidade da chuva.

Esse rito da natureza é, para mim, tão marcante e identitário quanto a arquitetura e o desenho urbano. O outro rito que completa a minha ideia de Brasília é o dos ciclos da agenda imposta à cidade pela presença do poder de Estado na sua face mais impactante, a das grandes instituições nacionais. Final de ano é época de Natal e de esforço concentrado.

O sistema político aqui é de tal maneira entranhado no cotidiano que é referência forte desde a infância. Há pouco tempo revisitei trabalhos escolares de meus filhos feitos aí pelos anos 1990 e me impressionou como a política estava presente. Em março de 1991, por exemplo, numa interpretação de texto poético, à pergunta “como você imagina o mundo daqui a 10 anos?”, meu filho de nove anos respondeu: “bem melhor ,porque o Collor já vai ter saído da presidência”. Onde mais, senão em Brasília?

Neste ano de 2013, mal percebi as primeiras fases do rito da seca. Agora me dou conta de que ela já está instalada e começa a incomodar. E compreendo que meu alheamento ocorreu, porque toda minha atenção estava nos trombolhões e estabacamentos sofridos pelo reino do sistema político, obrigado a correr para alcançar, ofegante, a rabeira das manifestações que agitaram o país.

Forçado a sair do seu universo paralelo autocentrado para dar atenção aos cidadãos que os elegeram. Perplexo diante da agressividade de cobranças que imaginava ter sob controle. E sem as mediações de praxe, afeitas às tradições, ao compadrio, àquele clima de corte imperial — de famílias nobres, duques, arquiduques e barões disso e daquilo — que ainda atravessa a democracia à brasileira.

É curioso notar, e isso talvez fique como a marca desta seca, mais do que os tapetes de folhas mortas e as queimadas, o esforço incomum para mudar sem mudar. É quase uma obra de arte, talhada para a experiência daqueles conhecidos como “velhas raposas” (algumas até relativamente jovens) da política. Tanto no Executivo quanto no Legislativo a correria é intensa para reposicionar-se diante da sociedade, porém, sem permitir que mudanças de maior alcance tirem as rédeas das mãos dos atuais donos do poder. Medidas à primeira vista positivas são sacadas e propostas de afogadilho, sem a profundidade e a dimensão exigidas para se tornarem de fato soluções duradouras.

Desenha-se nova fachada para impedir que seja visto o prédio em ruínas, carcomido. Impressiona a incapacidade da maioria dos políticos e governantes de fazer uma autocrítica sincera e aceitar que, para avançarmos na democracia, é preciso deixar de lado a concepção de poder e de representação erguida ao longo de séculos, descaradamente contra os interesses da população.

Não importam, nesse momento, políticas públicas que beneficiaram e beneficiam os setores mais vulneráveis da sociedade ou que nos deram estabilidade econômica. É preciso reconhecer que esses setores e toda a sociedade têm também direito à política, a decidir o que fazer e o que não fazer do país, da cidade, do meio ambiente, da rua, do mundo e do sistema democrático, para que ele se realize plenamente.

Os embates para ganhar espaço e ganhar tempo, “até que as coisas se acalmem”, apenas demonstram, de maneira chocante, a superficialidade dos acenos em direção a mudanças e a prioridade dada aos lenitivos. Boa parte dos políticos apenas teve medo e age de acordo com esse sentimento mesquinho, sob a orientação de profissionais de marketing e à luz de pesquisas que mostram a rota mais segura para sair do atoleiro.

Dará certo tal estratégia? Talvez sim, e todos chegarão mais ou menos salvos às eleições de 2014. Talvez não, e teremos alguma chance de mudanças substantivas. O certo é que esta será uma seca atípica e nunca esquecida. Avós futuros contarão aos netos sobre “a seca de 2013”, na qual a política brasileira se mostrou árvore tão descarnada que nunca mais voltou a ser frondosa, impávida, aparentemente imune às intempéries. A propósito, acaba de cair uma chuva rala batucando nas folhas do abacateiro ao lado de minha janela. Durou não mais do que uns três minutos. Nem a seca é mais a mesma em Brasília.

texto publicado no CORREIO BRAZILIENSE

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