domingo, 21 de julho de 2013

O gestor pode recuperar a imagem do político Marconi?

Editorial do Jornal Opção
O governador tucano vai trabalhar para que o gestor recupere a imagem do político, pois planeja disputar a reeleição. Se não conseguir, vai bancar um candidato que simbolize renovação, como Thiago Peixoto, Cristina Lopes ou Otavinho Lage
Marconi Perillo: o governador planeja disputar a reeleição em 2014. Mas, como atento observador dos humores da sociedade, pode ficar no governo e bancar um nome que simbolize a renovação















“Eu sou eu minha circunstância, e se
não salvo a ela, não me salvo a mim.”
Ortega y Gasset
Costuma-se dizer que o futuro a Deus pertence. Herdeiros do Ilumi­nis­mo tendem a contrapor: o futuro nem a Deus pertence. Com isto não estão a fazer proselitismo ímpio, e sim admitindo que o futuro é imprevisível. Como se sabe, política é circunstância, com a conjuntura em geral determinando as ações. Mas os políticos precisam construir cenários (ou ambientes) para que possam agir, porque senão caminharão meramente ao sabor das circunstâncias. O que se está dizendo é o que o indivíduo pode mudar as circunstâncias, porém, num processo dialético, as circunstâncias também podem mudar o indivíduo. A vida dá um baile no viés determinista (só parvos acreditam em determinismo histórico). Nos parágrafos seguintes, este Editorial vai comentar a possível não-candidatura do governador Marconi Perillo (PSDB) à reeleição. Clamamos ao leitor para que tenha um pouco de paciência e nos acompanhe numa ligeira “peroração” histórica.

Aproveitando o lançamento de “Ge­tú­lio — Do Governo Pro­vi­sório à Ditadura do Estado No­vo/1930-1945” (Companhia das Letras, 632 páginas), segundo volume da biografia escrita pelo jornalista Lira Neto, façamos um breve comentário sobre Getúlio Vargas, presidente que governou o Brasil por mais tempo, quase 20 anos, como ditador e democrata.

Em 1945, os militares depuseram Getúlio e, por intermédio de eleições diretas, levaram ao poder outro militar, o general Eurico Gaspar Dutra. Dizia-se, então (e ainda dizem), que Getúlio caiu porque, como ditador, havia se tornado anacrônico, afinal, na Europa, os Aliados, inclusive com o apoio de 25 mil brasileiros, lutaram pela prevalência da democracia, derrotando o totalitarismo nazista. Verdade? Quase, ma non tropo. Diga-se, a propósito, que outras ditaduras sobreviveram ao fim do nazi-fascismo — na Europa, os regimes da Espanha e de Portugal não caíram. No caso especificamente brasileiro, manter Getúlio no poder, com sua ditadura, era mesmo uma contradição. Mas ele não caiu exatamente porque a democracia havia vencido na Europa. Caiu porque militares e mesmo muitos civis que o haviam apoiado durante 15 anos, concordando com tudo ou quase tudo — alguns até eram piores, em termos ditatoriais, do que Getúlio —, não queriam mais mantê-lo no poder. Queriam, isto sim, o poder para eles, com ou sem democracia. Tanto que seu substituto, Eurico Dutra, ainda que tenha sido eleito, era muito mais direitista e, durante algum tempo, extremamente simpático ao nazismo de Adolf Hitler. Noutras palavras, retiraram do poder um conservador politicamente ambíguo e, via eleições, “colocaram” no poder um general que achava as ideias do nazi-fascismo o suprassumo. Não deixa de ser curioso que Getúlio tenha incentivado seus aliados a apoiarem Eurico Dutra, do Exército, que disputou contra Eduardo Gomes, da Aero­náu­tica. Um general contra um brigadeiro — essa era a democracia que derrubou o líder gaúcho. Os civis eram coadjuvantes, quase vivandeiras.

Dutra fez um governo bisonho e, ainda que sob democracia, autoritário — tanto que pôs o Partido Comunista de Luiz Carlos Prestes na ilegalidade. Na eleição seguinte, em 1950, com os civis de volta à ribalta, a sociedade havia mudado o entendimento do que era melhor para o Brasil e elegeu Getúlio — que havia governado o país durante 15 anos sem disputas presidenciais. Por que os eleitores escolheram Getúlio e não o brigadeiro udenista Eduardo Gomes? Primeiro, porque Dutra, militar, havia feito um governo no máximo me­diano. Então, se perguntavam os eleitores, por que colocar outro militar no poder? Se­gun­do, e mais importante, o que “devolveu” o po­der a Getúlio, agora de modo legítimo, foi o que, mesmo com ditadura, havia feito pelo de­senvolvimento e pelo crescimento do país. O Brasil cresceu sob Vargas, tornando-se um pla­yer internacional, inclusive na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e firmou-se como nação posicionada. A legislação trabalhista avançou e o governo definiu um salário mínimo. As mulheres passaram a votar. O presidente gaúcho criou a Petrobrás e a Companhia Siderúrgica Nacio­nal, em Volta Redonda.

Depois dos anos anódinos de Eurico Du­tra, os eleitores descobriram que, apesar da di­ta­dura do Estado Novo — e ainda que toda di­tadura seja ruim para as instituições e à liberdade individual —, o gestor Getúlio era me­lhor do que o político Getúlio. Então, em 1950, o eleitorado brasileiro escolheu o gestor, aquele que havia reformulado o Estado nacional, e renegou outro militar, Eduardo Gomes, apoiado pela tropa de choque de Carlos Lacerda.

A moral da história, se a história tem alguma moral, é: o gestor às vezes recupera o político. Pelo menos foi assim com Getúlio.

Agora, depois da retorno ao passado, voltemos ao presente (sem deixar de “escarafunchar” o passado recente), sobretudo à política re­gional. O governador de Goiás, Marconi Pe­rillo (PSDB), é um fenômeno eleitoral. Em 1998, com pouco mais de 30 anos, derrotou um ícone da política do Estado, Iris Rezende. O peemedebista talvez tenha sido “vítima” da cir­­cunstância. Não era apontado como mau po­lítico e gestor. Ao contrário, sua história era e é positiva. Entretanto, naquele momento, os elei­tores queriam renovação e viram em Mar­coni, apresentado por um marketing que beirou à perfeição, a alternativa àquilo que havia ficado ou estava ficando “velho”. A propaganda do tucano soube, com perspicácia, “incorporar” a voz das ruas, tornou-se, por assim di­zer, instrumento dos eleitores. “O povo põe, o povo tira” e a história da “panelinha” do PMDB foram acertos precisos porque correspondiam àquilo que estava no inconsciente popular. O inconsciente coletivo, de repente, tornou-se consciente coletivo — despertado pela mestria do marketing eleitoral.



Em 2014, dezesseis anos depois da primeira vitória, o grupo que elegeu Marconi em 1998 terá ficado 16 anos no poder — repetindo o tempo do PMDB no poder, entre 1983 e 1998. Fala-se em ciclos políticos, mas, se a “teoria” é simpática, significando que, de tempos em tempos, os eleitores trocam os políticos no poder, em termos estritamente científicos, não é comprovada. O que há, e não é preciso ser cientista político para perceber isto, é o desgaste quase natural de quem está no poder. Mesmo quando se é bom governante, os eleitores às vezes pensam: “O que é bom pode melhorar” ou “É importante mexer em time que está ganhando para ganhar muito mais”. É preciso considerar que, hoje, com as comunicações muito mais velozes e democratizadas, com uma sociedade mais participativa e vigilante, as mudanças de políticos no poder podem ser mais rápidas. Os ciclos, se factíveis, tenderão a ser mais curtos? É possível.

Recentemente, e isto não se deve apenas à pesquisa do instituto Serpes — pois tinha-se vários outras pesquisas em mãos —, o governador Marconi sugeriu que pode não disputar a reeleição, em 2014. O tucano-chefe, que examina as pesquisas qualitativas e quantitativas com lupa, explorando suas minudências (Deus, se existe, está nos detalhes), sabia, há muito, o que os eleitores pensam dele. Antes do escândalo do contraventor Carlos Cachoeira, havia uma junção entre o político Marconi e o gestor Marconi. Não se pensava um separado do outro.

Não há comprovação legal, pelo Ministério Público e pela Justiça, de que Marconi tenha uma ligação visceral com Cachoeira — se tinha alguma, não era muito diferente das relações estabelecidas por políticos do PMDB, do PT e de outros partidos — e de que isto tenha prejudicado, ao menos em termos financeiros, os cofres do Erário. Porém, como sabem os publicitários-marqueteiros, há imagens que grudam, pelo menos durante algum tempo, e se tornam uma segunda pele. Mesmo assim, não é inescapável.

Ao perceber o desgaste do político, que é fato e não depende da crítica e da lembrança ativa das oposições, Marconi decidiu mudar seu comportamento, ao menos em parte. O tucano entendeu, por intuição e pesquisas, que a exposição intensiva do político, com declarações bombásticas às críticas das oposições, nada resolve. Pelo contrário, só piora as coisas — tanto que sempre coloca um preposto para respondê-las. Atento, sabe que as respostas a determinadas acusações são armadilhas que acabam muito mais por reforçar as críticas.

Entretanto, quem ganha eleição é o político, não é o gestor. Quem diz isto tem razão. Mas, quando a imagem do político so­fre algum abalo, é o gestor que pode (ou não) recuperá-la. Por isso, ao sugerir que não deve disputar a eleição — e solicitamos ao leitor que perceba que a palavra crucial é “sugerir” —, concentrando-se mais na gestão, Marconi está dizendo mais ou menos o seguinte ao eleitor: “Caro goiano, enquanto os outros fazem ‘política’, desqualificando o Estado, eu trabalho para melhorá-lo e criar melhores condições de vida para todos”.

De fato, depois de um período difícil — sem dinheiro para investir —, as obras começam a aparecer. Os eleitores estão observando com atenção. O governo afirma que, além de trabalhar, está fazendo obras de qualidade. O gestor está passando a imagem de que está trabalhando, de que não se preocupa apenas em fazer política. Em 2014, se as obras realmente forem realmente feitas — e algumas já são visíveis (a malha rodoviária está sendo recuperada, para citar um exemplo) —, o eleitor poderá avaliar se quer ou não conceder mais um mandato a Marconi. As pesquisas mostrarão isto ao longo tanto de 2013 quanto de 2014. O governador fez sua aposta: o gestor vai tentar recuperar o político, reduzir a fissura que começou em 2012 e continua firme em 2013.

A recuperação de Marconi é plenamente possível, mas dependerá sobretudo de como o eleitor vai avaliá-lo globalmente e, na circunstância, ele está dizendo que pretende renovar. Marconi pode ser, em 2014, o Iris de 1998? Pode. Mas, se os candidatos oposicionistas não simbolizarem renovação de fato, o eleitor pode ficar com quem faz e não com quem discursa. Costuma-se dizer que o eleitor é pura emoção. Não é, ou não é mais assim. Há um componente racional, porque o eleitor está cada vez independente e infenso às pressões políticas. Ele vota examinando o projeto e a história de cada candidato. Pode apostar no “velho” porque o “novo” não é confiável, não tem credibilidade (em São Paulo, o novo confiável, Fernando Haddad, derrotou o novo não confiável, Celso Russomanno, e o “velho” que não quer não sair do poder, José Serra).

Ao sugerir que pode não disputar, ao contrário do que alguns pensam, Marconi não está fazendo o mero jogo político — simulando que não vai e, depois, vai concorrer. Na verdade, o tucano-chefe quer disputar, pois sua vocação é visceralmente administrativa. No entanto, atento aos movimentos da sociedade — que tanto podem renovar quanto manter o que está “dando certo” —, Marconi não vai se precipitar, pois, se aprecia correr riscos, não se trata de aventureiro político.

Aos aliados, Marconi está dizendo três coisas. Primeiro, e é sua principal aposta, fica no governo e disputa a reeleição. Segundo, sai do governo e disputa mandato de deputado federal ou senador. Terceiro, fica no governo e banca um candidato que simbolize renovação e aceitação ampla na sociedade. Como mestre em política — arte na qual só tem um rival em Goiás, Iris Rezende —, Marconi sabe que não é hora de seguir qualquer um dos caminhos. Do ponto de vista estrito da intelligentsia política, escolheu o caminho certo, especialmente para quem tem desgaste político, ao concentrar-se na administração dos negócios públicos.

Na oposição diz-se que Marconi será candidato, pois não há sinais visíveis de que estaria preparando um sucessor. O diagnóstico é correto, no geral, mas impreciso no particular. De fato, Marconi não preparou um sucessor, porque planeja disputar a reeleição. Mas hoje, com as comunicações rápidas e com uma sociedade que assimila as coisas mais celeremente, não se precisa de muito tempo para preparar um candidato a governador, exceto se for pesado, como Júnior do Friboi (do PMDB, mas é como se estivesse aquém ou acima do partido), que acredita que apenas com dinheiro se faz um governador — quase comprando um mandato. Observe-se que os movimentos das ruas não querem este pensamento na política. Querem, isto sim, mais ética e menos abuso com dinheiro nas campanhas — seja dinheiro público ou privado. É possível que Friboi esteja “absorvendo” dezenas, talvez centenas, de políticos, mas quem observar um pouco mais notará que os indivíduos das ruas — que estão se tornando cidadãos para além das urnas, pressionando e decidindo — não aprovam sua conduta. Se cristalizar a tese de que Friboi “comprou” um partido — e esclareça-se que não há prova cabal disto —, o PMDB, de história positiva no Estado, a oposição, ao menos parte dela, vai ficar em maus lençóis. Por isso, Ronaldo Caiado (DEM) e Vanderlan Cardoso (PSB) acreditam que, mesmo sem recursos, a terceira via tem chance de ganhar a eleição. Caiado tem uma imagem reconhecidamente ética, mas não há sintonia entre ele e a sociedade, pelo menos com a que foi às ruas. Vanderlan não passa a imagem de um político moderno. Por incrível que pareça, Iris, de 79 anos, parece mais “novo” do que Friboi e Vanderlan (ambos são até modernos, como empresários, mas têm imagem de caipiras). Fica-se com a impressão de que o eleitor percebe Iris e Marconi como “pai” e “filho”, em termos políticos. Eles são visceralmente vocacionados — são políticos profissionais, o que não é o caso de Vanderlan e Friboi, mas é o de Caiado. O que falta a este é o “banho” das ruas. Samuel Belchior, do PMDB, pode ser o nome novo? Pode, se o partido fizer uma aposta consistente na sua campanha.

Se Marconi não for candidato, o que fará? O óbvio: por intermédio de pesquisas, primeiro as qualitativas, vai pesquisar o perfil que está sendo exigido pela “nova” sociedade. Depois, com os nomes sugeridos, começará uma rodada de pesquisas quantitativas. A base governista tem pelo menos seis nomes consistentes — se não politicamente, em termos de peso de eleitoral em todo o Estado, ao menos no que diz respeito a conteúdo e certa respeitabilidade social. Giuseppe Vecci, secretário de Gestão e Planejamento e pré-candidato a deputado federal pelo PSDB, é cotado para disputar como substituto de Marconi.

Ao contrário do que se costuma dizer, não é meramente técnico. Tem visão política e, como gestor, joga duro, às vezes desagradando o funcionalismo público, mas com decisões corajosas em defesa da sociedade. Thiago Peixoto (PSD), deputado federal, ao assumir a Secretaria da Educação pode ter se desgastado com a maioria dos professores — que, a rigor, tem um voto corporativo e partidário (o petismo controla o meio) —, mas na sociedade sua imagem é positiva As pesquisas dizem isto. Otavinho Lage (PSDB), ex-prefeito de Goianésia e empresário de sucesso, é cotado e pode disputar se a sociedade exigir o seu perfil (o de gerente que também é político). Vilmar Rocha (PSD) é citado, mas prefere disputar mandato de senador, que faz mais seu perfil. O vice-governador José Eliton (PP) é um dos primeiros da lista. Porque, se Marconi disputar mandato de deputado ou senador, assumirá o governo e, aí, se tornará candidato “natural”. Mesmo se Marconi ficar no governo, e não disputar eleição, José Eliton, símbolo do novo consistente, é um candidato que tende a começar atrás e a crescer na campanha.

A vereadora Cristina Lopes, do PSDB de Goiânia, é apontada como ética e com forte apelo social na capital. Não tem experiência política, mas pode ser trabalhada e, sobretudo, é um nome inatacável. Poderia tranquilamente surpreender a sociedade que está em ebulição. Se apostar na renovação, atendendo os rogos das ruas, Marconi certamente optará por algum dos nomes listados acima.

Leitor, ao final deste Editorial, uma observação: desconfie do político, do cientista político e do jornalista político que disser que tem a interpretação precisa do que está acontecendo. Ninguém tem. A sociedade está se revolvendo, escarafunchando suas contradições, e não se sabe com precisão o que vai sair daí. Nem a sociedade sabe o que quer. Talvez saiba o que não quer. Pode ser que se aposte no “novo”, qualquer que seja, ou que, quando o vulcão esfriar, se aposte em quem faz, na experiência. Como se disse acima, a circunstância é decisiva. A política, como a vida, é feita de momentos, que são retalhos que vão sendo remontados aos poucos. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário