Locais, geralmente dirigidos por iniciativas privadas ou igrejas, mostram que é possível reintegrar esses indivíduos à sociedade
Marcos Nunes Carreiro
Na parte de baixo da contracapa de um caderno azul, Isaías escreveu em letras maiúsculas: “DIÁRIO DE UM EX-DEPENDENTE. O COMEÇO DE UMA NOVA HISTÓRIA.” Esses dizeres foram gravados logo abaixo de um desenho. Um círculo em cujo centro está gravado o maior motivo para que ele tenha procurado ajuda na Casa de Recuperação Ministério Pão e Vida: “Te amo filha.”
Isabela tem 3 anos e é o fruto de um breve relacionamento que Isaías teve com Adriele. Conheceram-se quando ele tinha 22 anos e havia deixado a pouco o seminário católico em que estudou durante dois anos. Muito jovem e recém-recuperado dos problemas que o fizeram deixar a casa de sua avó em Brasília, Isaías encontrou refúgio no seminário de Anápolis. Chegou a usar o hábito franciscano.
Mas não queria ser padre. Estudou para ser consagrado um ajudante, um auxiliador. Porém, não era sua vocação, então saiu à procura daquilo que realmente queria fazer de sua vida. Sem perspectiva em Anápolis, veio para Goiânia onde começou a trabalhar. Foi nesse período que conheceu a cabeleireira Adriele, com quem logo foi morar e que acabou engravidando.
Estaria tudo bem senão fosse o fato de que o relacionamento dos dois era conturbado. “Ela é uma pessoa difícil”, pensava ele. “Gosto dela. É será mãe da minha filha, mas é uma pessoa difícil”. Brigavam muito. Assim, ainda no primeiro ano da relação, uma breve separação marcou o início da trajetória que levaria Isaías para o centro desta história: a cocaína.
A pressão era grande. E não havia meios de aliviá-la naturalmente. Afinal, com pouco mais de 20 anos, ele precisava sustentar uma casa e em pouco tempo teria uma filha aos seus cuidados. Começou a usar cocaína. Mas isso não atrapalhou muito sua vida. Voltou a morar com Adriele logo que Isabela nasceu. Viviam razoavelmente bem e, na medida do possível, felizes. Isaías amava sua filha.
Contudo, nos dois anos que se seguiram ele não conseguiu se afastar da cocaína e, aos poucos, Adriele começou a perceber. Ela não sabia. Isaías começava a apresentar sinais de descontrole, pois já havia vendido alguns bens, inclusive sua moto. Além disso, seu comportamento mudara, mas não era pelo uso de cocaína e sim pelo acréscimo do crack. Ele já não passava todas as noites em casa.
Certo dia, Isaías chegou em casa e foi pressionado pela mulher. Ela queria saber o que estava acontecendo e com razão, afinal tinham uma criança sob responsabilidade.
— É difícil dizer, mas preciso te contar. Eu estou viciado em drogas. Comecei a usar logo após que nos separamos aquela vez e, desde então, não consegui parar. É por isso que tenho estado diferente nos últimos meses — começou a confessar e, ao contrário do que pensava, as notícias não foram mal recebidas por Adriele. Ela compreendeu. Pelo menos no início, deu suporte para que o marido conseguisse se recuperar.
Mas com o passar dos dias, ela não aguentou. Ou ele não suportou mais e procurou ajuda.
Há aproximadamente 50 km dali, em Inhumas, dois casos semelhantes também deixaram famílias em situações complicadas. Na Comunidade Terapêutica Monte das Oliveiras, João, de 27, e Olavo, de 17, também contam suas histórias com pesar. Solteiro, João morava com a mãe em Goiânia. Usou vários tipos de droga. Cocaína, crack, LSD, ecstasy, entrou outros.
Certo dia, ele pediu a sua mãe para que lhe indicasse um lugar para se recuperar. Ela sabia de um lugar numa cidade próxima e deu o dinheiro para que João fosse de ônibus até Inhumas, onde funciona a Comunidade Monte das Oliveiras. Colocou as roupas na mochila e saiu de casa. Contudo, no caminho, encontrou alguns amigos e gastou os 10 reais da passagem. No dia seguinte, ainda na rua, outro conhecido apareceu com 200 reais para comprar os entorpecentes.
Quase uma semana se passou desde que João saíra de casa e, agora, ele resolvera ir para onde havia prometido à mãe. Porém, a mochila que ele havia encostado a um poste de luz já não estava mais lá. Lembrou-se de que o dinheiro da passagem também já tinha sido gasto. A única alternativa, então, era caminhar até a Comunidade. Foi o que ele fez há dois meses, tempo em que se encontra no local. Um mês a menos que Olavo.
Natural de Buenolândia, um distrito da cidade de Goiás localizado a 148 km de Goiânia, Olavo perdeu o pai havia pouco tempo. Ele estava na lavoura, quando foi atingido por um raio. Ficaram, além dele, sua mãe e seu irmão mais velho, que é usuário de drogas. Após a morte do pai, Olavo, seguindo o caminho do irmão, começou a usar e vender pequenas quantidades de drogas, principalmente cocaína.
Em poucos meses, ele já era conhecido tanto em Buenolândia quanto na cidade de Goiás como um garotoproblemático. Estava no centro de algazarras e badernas promovidas por grupos de jovens. Trocava de emprego frequentemente. Ia pouco a sua casa. Preocupava os familiares. Largou a escola.
Já plenamente envolvido com esse novo mundo, Olavo fez um acordo com outro pequeno traficante da região. Uma troca de produtos. Durante uma festa, ele pegou sua parte adiantada. Resolveu não vender os 180 reais de cocaína que havia recebido e sim cheirá-los. Lembra-se que no meio da madrugada a polícia chegou e começou a bater em seus amigos. Tremendo bastante, conseguiu fugir e correu para casa, onde acordou na tarde seguinte, ainda tremendo.
Ao ouvir o barulho de movimento, sua mãe entrou no quarto:
— Você está bem? — perguntou ela.
— Sim — respondeu com as mãos ainda trêmulas.
— Você se lembra de alguma coisa sobre ontem à noite?
— Nada de especial. Por quê?
— Não se lembra do hospital?
— Hospital?
A mãe se sentou à beira da cama, com o filho ainda deitado, e começou a narrar os acontecimentos das horas anteriores. Olavo havia chegado passando muito mal, tremendo muito e semi-inconsciente. Desesperada, como não poderia deixa estar, a mãe conseguiu, com a ajuda de um policial militar amigo da família, levar o filho para o hospital.
— Quando chegamos lá, seu coração estava parado. Eles usaram o desfibrilador duas vezes para te reviver. Quando conseguiram, te observaram durante um tempo e depois permitiram que você voltasse para casa comigo, mas com um aviso: se você continuar usando drogas dessa maneira, não demorará muito para que morra.
Olavo se assustou, é claro. Disse à mãe que não queria morrer e faria de tudo para isso. Prometeu procurar um lugar para se recuperar. Quando conseguiu se levantar, foi até o guarda-roupa e pegou o último pedaço de maconha que havia guardado com a intenção de jogá-lo fora. Chegou ao banheiro e quando ia arremessá-lo na privada, pensou: “é a última vez, então vou fumá-lo. Melhor que jogar fora.” Fumou e, como consequência, ficou com muita fome. Após comer até satisfazer-se, voltou para o quarto e dormiu.
No dia seguinte, procurou o policial que havia ajudado sua mãe a levá-lo ao hospital e disse que queria se tratar. Pediu ajuda para encontrar um bom lugar para isso. O policial conhecia um perto de Inhumas. Perguntou se Olavo tinha certeza sobre isso e, recebendo resposta positiva, preparou tudo para tirar o garoto da cidade.
Isabela tem 3 anos e é o fruto de um breve relacionamento que Isaías teve com Adriele. Conheceram-se quando ele tinha 22 anos e havia deixado a pouco o seminário católico em que estudou durante dois anos. Muito jovem e recém-recuperado dos problemas que o fizeram deixar a casa de sua avó em Brasília, Isaías encontrou refúgio no seminário de Anápolis. Chegou a usar o hábito franciscano.
Mas não queria ser padre. Estudou para ser consagrado um ajudante, um auxiliador. Porém, não era sua vocação, então saiu à procura daquilo que realmente queria fazer de sua vida. Sem perspectiva em Anápolis, veio para Goiânia onde começou a trabalhar. Foi nesse período que conheceu a cabeleireira Adriele, com quem logo foi morar e que acabou engravidando.
Estaria tudo bem senão fosse o fato de que o relacionamento dos dois era conturbado. “Ela é uma pessoa difícil”, pensava ele. “Gosto dela. É será mãe da minha filha, mas é uma pessoa difícil”. Brigavam muito. Assim, ainda no primeiro ano da relação, uma breve separação marcou o início da trajetória que levaria Isaías para o centro desta história: a cocaína.
A pressão era grande. E não havia meios de aliviá-la naturalmente. Afinal, com pouco mais de 20 anos, ele precisava sustentar uma casa e em pouco tempo teria uma filha aos seus cuidados. Começou a usar cocaína. Mas isso não atrapalhou muito sua vida. Voltou a morar com Adriele logo que Isabela nasceu. Viviam razoavelmente bem e, na medida do possível, felizes. Isaías amava sua filha.
Contudo, nos dois anos que se seguiram ele não conseguiu se afastar da cocaína e, aos poucos, Adriele começou a perceber. Ela não sabia. Isaías começava a apresentar sinais de descontrole, pois já havia vendido alguns bens, inclusive sua moto. Além disso, seu comportamento mudara, mas não era pelo uso de cocaína e sim pelo acréscimo do crack. Ele já não passava todas as noites em casa.
Certo dia, Isaías chegou em casa e foi pressionado pela mulher. Ela queria saber o que estava acontecendo e com razão, afinal tinham uma criança sob responsabilidade.
— É difícil dizer, mas preciso te contar. Eu estou viciado em drogas. Comecei a usar logo após que nos separamos aquela vez e, desde então, não consegui parar. É por isso que tenho estado diferente nos últimos meses — começou a confessar e, ao contrário do que pensava, as notícias não foram mal recebidas por Adriele. Ela compreendeu. Pelo menos no início, deu suporte para que o marido conseguisse se recuperar.
Mas com o passar dos dias, ela não aguentou. Ou ele não suportou mais e procurou ajuda.
Há aproximadamente 50 km dali, em Inhumas, dois casos semelhantes também deixaram famílias em situações complicadas. Na Comunidade Terapêutica Monte das Oliveiras, João, de 27, e Olavo, de 17, também contam suas histórias com pesar. Solteiro, João morava com a mãe em Goiânia. Usou vários tipos de droga. Cocaína, crack, LSD, ecstasy, entrou outros.
Certo dia, ele pediu a sua mãe para que lhe indicasse um lugar para se recuperar. Ela sabia de um lugar numa cidade próxima e deu o dinheiro para que João fosse de ônibus até Inhumas, onde funciona a Comunidade Monte das Oliveiras. Colocou as roupas na mochila e saiu de casa. Contudo, no caminho, encontrou alguns amigos e gastou os 10 reais da passagem. No dia seguinte, ainda na rua, outro conhecido apareceu com 200 reais para comprar os entorpecentes.
Quase uma semana se passou desde que João saíra de casa e, agora, ele resolvera ir para onde havia prometido à mãe. Porém, a mochila que ele havia encostado a um poste de luz já não estava mais lá. Lembrou-se de que o dinheiro da passagem também já tinha sido gasto. A única alternativa, então, era caminhar até a Comunidade. Foi o que ele fez há dois meses, tempo em que se encontra no local. Um mês a menos que Olavo.
Natural de Buenolândia, um distrito da cidade de Goiás localizado a 148 km de Goiânia, Olavo perdeu o pai havia pouco tempo. Ele estava na lavoura, quando foi atingido por um raio. Ficaram, além dele, sua mãe e seu irmão mais velho, que é usuário de drogas. Após a morte do pai, Olavo, seguindo o caminho do irmão, começou a usar e vender pequenas quantidades de drogas, principalmente cocaína.
Em poucos meses, ele já era conhecido tanto em Buenolândia quanto na cidade de Goiás como um garotoproblemático. Estava no centro de algazarras e badernas promovidas por grupos de jovens. Trocava de emprego frequentemente. Ia pouco a sua casa. Preocupava os familiares. Largou a escola.
Já plenamente envolvido com esse novo mundo, Olavo fez um acordo com outro pequeno traficante da região. Uma troca de produtos. Durante uma festa, ele pegou sua parte adiantada. Resolveu não vender os 180 reais de cocaína que havia recebido e sim cheirá-los. Lembra-se que no meio da madrugada a polícia chegou e começou a bater em seus amigos. Tremendo bastante, conseguiu fugir e correu para casa, onde acordou na tarde seguinte, ainda tremendo.
Ao ouvir o barulho de movimento, sua mãe entrou no quarto:
— Você está bem? — perguntou ela.
— Sim — respondeu com as mãos ainda trêmulas.
— Você se lembra de alguma coisa sobre ontem à noite?
— Nada de especial. Por quê?
— Não se lembra do hospital?
— Hospital?
A mãe se sentou à beira da cama, com o filho ainda deitado, e começou a narrar os acontecimentos das horas anteriores. Olavo havia chegado passando muito mal, tremendo muito e semi-inconsciente. Desesperada, como não poderia deixa estar, a mãe conseguiu, com a ajuda de um policial militar amigo da família, levar o filho para o hospital.
— Quando chegamos lá, seu coração estava parado. Eles usaram o desfibrilador duas vezes para te reviver. Quando conseguiram, te observaram durante um tempo e depois permitiram que você voltasse para casa comigo, mas com um aviso: se você continuar usando drogas dessa maneira, não demorará muito para que morra.
Olavo se assustou, é claro. Disse à mãe que não queria morrer e faria de tudo para isso. Prometeu procurar um lugar para se recuperar. Quando conseguiu se levantar, foi até o guarda-roupa e pegou o último pedaço de maconha que havia guardado com a intenção de jogá-lo fora. Chegou ao banheiro e quando ia arremessá-lo na privada, pensou: “é a última vez, então vou fumá-lo. Melhor que jogar fora.” Fumou e, como consequência, ficou com muita fome. Após comer até satisfazer-se, voltou para o quarto e dormiu.
No dia seguinte, procurou o policial que havia ajudado sua mãe a levá-lo ao hospital e disse que queria se tratar. Pediu ajuda para encontrar um bom lugar para isso. O policial conhecia um perto de Inhumas. Perguntou se Olavo tinha certeza sobre isso e, recebendo resposta positiva, preparou tudo para tirar o garoto da cidade.
Objetivo: ajudar quem precisa
Isaías, João e Olavo são nomes fictícios. Mas as histórias são verdadeiras e foram narradas por eles próprios nesses locais, que crescem a cada dia com a falta de vagas oferecidas pelo Estado para tratamento de dependentes químicos. Atualmente, estima-se que haja mais de três mil casas terapêuticas no Brasil, sustentadas por iniciativas individuais ou igrejas. São esses locais os responsáveis por cuidar de centenas de Isaías, Joões e Olavos, uma vez que o acesso a clínicas de tratamento médico são altamente custosas.
Nesse universo, tanto o Ministério Pão e Vida, em Goiânia, quanto o Monte das Oliveiras, em Inhumas, utilizam de métodos terapêuticos para tratar os dependentes em um período que dura entre sete e nove meses. O método é difere dos tratamentos medicamentosos usados por clínicas de recuperação. Isso acontece porque as comunidades não têm autorização para utilizar medicamentos durante o tratamento. Assim, as dificuldades — como pode se imaginar — são muitas nesses locais.
Como explica o diretor do Ministério Pão e Vida, pastor Luiz Aurélio, com o corte total e imediato do uso da droga, doenças latentes começam a aparecer nos internos. “O dente começa a doer, dá diarreia, etc. O que nós fazemos é levar no médico. Quando adoece, levamos no Cais, o médico passa os medicamentos e nós cuidamos. Com o tempo, o organismo vai se acostumando e a pessoa entra no ritmo normal de alimentação, de atividades e se livra aos poucos da dependência”, relata.
Mas o tratamento não é apenas físico. Esses locais também trabalham o aspecto psicológico do recuperando. Ensinam a pessoa a lidar com os conceitos morais como família e relacionamentos, assim como auxiliam na administração do dinheiro. “Ensinamos como viver sem o vício. Mostramos que é possível viver sem se autodestruir, trabalhando os aspectos da vida. Assim, passados os nove meses de tratamento, a pessoa sai sabendo lidar com dinheiro, buscando a reconciliação com a família e se entendendo em sociedade”, afirma Luiz Aurélio.
O Ministério Pão e Vida começou com um trabalho desenvolvido pelo pastor Flávio Alcântara nos presídios, onde atuava como voluntário. Conheceu o pastor Luiz Aurélio no seminário e o convidou para ajudar nesse projeto. Depois de algum tempo, porém, os dois decidiram abrir um trabalho próprio com o objetivo de abrigar moradores de rua e andarilhos de rodovias.
Entretanto, com o início do projeto, os pastores perceberam que grande parte desses moradores de rua era dependente de algum tipo de droga, seja álcool, cigarro ou mesmo entorpecentes ilícitos. Assim começou o trabalho de recuperação, que tem como primeiro ponto a vontade da pessoa em querer se tratar. Manifesto o desejo em se restabelecer, a pessoa entra em estado de internato.
Como explica Luiz Aurélio, o tratamento funciona da seguinte maneira: “Nós trabalhamos com medicamentos, até porque não temos autorização para isso. Nosso trabalho é puramente terapêutico. Oferecemos palestras, atividades, ouvimos o que eles têm a dizer, damos amor e compreensão a essas pessoas.” Para entrar na Casa, a pessoa precisa passar por uma entrevista, que serve para explicar as regras do local e conhecer indivíduo.
A entrevista é necessária, segundo Luiz Aurélio, para mostrar o sistema e verificar se aquele é o lugar certo para aquela pessoa. “Às vezes, na entrevista, percebemos que o caso clínico, como crises sérias de abstinência, que não conseguiremos tratar ou mesmo problemas de saúde mental. Também há situações em que o indivíduo quer se livrar do crack, mas não quer deixar o cigarro, por exemplo. Então, não pode ficar aqui. Nessas situações, indicamos outros locais”, diz.
Atualmente, a Casa conta com 30 internos, que fazem todo o trabalho do local. Cada um lava sua própria roupa, limpam os cômodos, trabalham na horta, cuidam dos animais, cozinham, etc. Os horários são rígidos: eles acordam às 7 horas, arrumam os quartos e tomam café da manhã; às 7h30 participam de uma palestra e, após esse período, eles se dividem em tarefas: alguns cuidam das louças, outros das roupas, dos alojamentos, da horta, etc. Às 11h eles têm um horário livre para jogar dominó, assistir TV, ou fazer outra coisa; às 11h30 eles participam de outra palestra, que vai até o meio-dia. Então, eles almoçam e depois têm um horário de descanso até as 14 horas, quando há uma atividade terapêutica. Às 15h30 tem outra palestra e depois eles estão livres para jogar bola, pingue-pongue, malhar, etc. Às 19 horas eles devem estar prontos para participar da última palestra ou ir à igreja. Às 22 horas, dormir.
Nesse universo, tanto o Ministério Pão e Vida, em Goiânia, quanto o Monte das Oliveiras, em Inhumas, utilizam de métodos terapêuticos para tratar os dependentes em um período que dura entre sete e nove meses. O método é difere dos tratamentos medicamentosos usados por clínicas de recuperação. Isso acontece porque as comunidades não têm autorização para utilizar medicamentos durante o tratamento. Assim, as dificuldades — como pode se imaginar — são muitas nesses locais.
Como explica o diretor do Ministério Pão e Vida, pastor Luiz Aurélio, com o corte total e imediato do uso da droga, doenças latentes começam a aparecer nos internos. “O dente começa a doer, dá diarreia, etc. O que nós fazemos é levar no médico. Quando adoece, levamos no Cais, o médico passa os medicamentos e nós cuidamos. Com o tempo, o organismo vai se acostumando e a pessoa entra no ritmo normal de alimentação, de atividades e se livra aos poucos da dependência”, relata.
Mas o tratamento não é apenas físico. Esses locais também trabalham o aspecto psicológico do recuperando. Ensinam a pessoa a lidar com os conceitos morais como família e relacionamentos, assim como auxiliam na administração do dinheiro. “Ensinamos como viver sem o vício. Mostramos que é possível viver sem se autodestruir, trabalhando os aspectos da vida. Assim, passados os nove meses de tratamento, a pessoa sai sabendo lidar com dinheiro, buscando a reconciliação com a família e se entendendo em sociedade”, afirma Luiz Aurélio.
O Ministério Pão e Vida começou com um trabalho desenvolvido pelo pastor Flávio Alcântara nos presídios, onde atuava como voluntário. Conheceu o pastor Luiz Aurélio no seminário e o convidou para ajudar nesse projeto. Depois de algum tempo, porém, os dois decidiram abrir um trabalho próprio com o objetivo de abrigar moradores de rua e andarilhos de rodovias.
Entretanto, com o início do projeto, os pastores perceberam que grande parte desses moradores de rua era dependente de algum tipo de droga, seja álcool, cigarro ou mesmo entorpecentes ilícitos. Assim começou o trabalho de recuperação, que tem como primeiro ponto a vontade da pessoa em querer se tratar. Manifesto o desejo em se restabelecer, a pessoa entra em estado de internato.
Como explica Luiz Aurélio, o tratamento funciona da seguinte maneira: “Nós trabalhamos com medicamentos, até porque não temos autorização para isso. Nosso trabalho é puramente terapêutico. Oferecemos palestras, atividades, ouvimos o que eles têm a dizer, damos amor e compreensão a essas pessoas.” Para entrar na Casa, a pessoa precisa passar por uma entrevista, que serve para explicar as regras do local e conhecer indivíduo.
A entrevista é necessária, segundo Luiz Aurélio, para mostrar o sistema e verificar se aquele é o lugar certo para aquela pessoa. “Às vezes, na entrevista, percebemos que o caso clínico, como crises sérias de abstinência, que não conseguiremos tratar ou mesmo problemas de saúde mental. Também há situações em que o indivíduo quer se livrar do crack, mas não quer deixar o cigarro, por exemplo. Então, não pode ficar aqui. Nessas situações, indicamos outros locais”, diz.
Atualmente, a Casa conta com 30 internos, que fazem todo o trabalho do local. Cada um lava sua própria roupa, limpam os cômodos, trabalham na horta, cuidam dos animais, cozinham, etc. Os horários são rígidos: eles acordam às 7 horas, arrumam os quartos e tomam café da manhã; às 7h30 participam de uma palestra e, após esse período, eles se dividem em tarefas: alguns cuidam das louças, outros das roupas, dos alojamentos, da horta, etc. Às 11h eles têm um horário livre para jogar dominó, assistir TV, ou fazer outra coisa; às 11h30 eles participam de outra palestra, que vai até o meio-dia. Então, eles almoçam e depois têm um horário de descanso até as 14 horas, quando há uma atividade terapêutica. Às 15h30 tem outra palestra e depois eles estão livres para jogar bola, pingue-pongue, malhar, etc. Às 19 horas eles devem estar prontos para participar da última palestra ou ir à igreja. Às 22 horas, dormir.
“Não posso me esquecer que eu sou um recuperado”
O diretor da Comunidade Terapêutica Monte das Oliveiras, Antônio Petrônio da Rocha, está à frente do projeto há dez anos. Ele ressalta que a ideia para a criação da Casa de Recuperação veio dele mesmo, já que era alcoólatra e foi recuperado em um local semelhante. “Isso me sensibilizou a ajudar àqueles que estão à beira do caminho, causando transtornos para a família.”
Para ele, a recuperação dessas pessoas vai além de uma importância individual, mas passa também pelo grave problema atual da criminalidade. “Às vezes, a sociedade não sabe o tamanho do problema. Grande parte dessa falta de segurança atual passa pelo uso de drogas. O vício toma conta dessas pessoas e elas fazem o que é necessário para conseguir saciar a vontade. Eu mesmo trocava qualquer refeição por um copo de pinga”.
Isso passa também pelo fator econômico dos internos. Segundo Petrônio, grande parte deles é de classe baixa, o que provoca uma dependência ainda maior das drogas, devido à falta de estrutura das famílias. “As pessoas com padrão de vida mais alto usam o álcool, por exemplo, socialmente. Já pessoas de classes mais baixas não conseguem ‘segurar a onda’. O vício passa a dominá-las. Assim, essas pessoas começam a gerar uma série de problemas para a família. Chegam tarde em casa, não tomam banho, não comem direito, criam um clima ruim com os familiares, entre outras coisas”.
Um aspecto que costuma ser polêmico sobre comunidades terapêuticas é dinheiro. Afinal, não é barato manter dezenas de pessoas sob seus cuidados. Como já foi dito, um tratamento médico de desintoxicação custa caro e, como grande parte das famílias é carente, se torna difícil conseguir uma internação. Porém, é certo que muitas dessas comunidades não cobram de seus internos.
A fala do pastor Flávio Alcântara, do Ministério Pão e Vida, e de Antônio Petrônio da Rocha, do Monte das Oliveiras, retratam bem essa realidade:
“Não recebemos nada deles. Vivemos de doações. São empresários, amigos, igrejas que contribuem de alguma forma. Eles auxiliam na carne, no pão, no leite, no café, na energia, na água, etc. São pessoas que, ao longo do tempo, têm auxiliado nesse trabalho. Assim como na identificação de familiares daqueles que chegam sem família e também na iniciativa de providenciar documentação para essas pessoas”, relata Alcântara.
“Perguntamos às famílias se elas têm condições de ajudar com algo. Algumas dizem que sim. Outras não. Assim, como fazemos para manter? Doações. Existem muitas pessoas que doam aquilo que podem. Fora as igrejas que fazem campanhas para arrecadar óleo, produtos de limpeza, etc. Temos uma pequena ajuda do Estado, por meio do Programa Pão e Leite, que nos ajuda com 800 reais. Compramos o necessário com esse dinheiro e levamos as notas na Secretaria de Cidadania e Trabalho”, afirma Petrônio.
Para ele, a recuperação dessas pessoas vai além de uma importância individual, mas passa também pelo grave problema atual da criminalidade. “Às vezes, a sociedade não sabe o tamanho do problema. Grande parte dessa falta de segurança atual passa pelo uso de drogas. O vício toma conta dessas pessoas e elas fazem o que é necessário para conseguir saciar a vontade. Eu mesmo trocava qualquer refeição por um copo de pinga”.
Isso passa também pelo fator econômico dos internos. Segundo Petrônio, grande parte deles é de classe baixa, o que provoca uma dependência ainda maior das drogas, devido à falta de estrutura das famílias. “As pessoas com padrão de vida mais alto usam o álcool, por exemplo, socialmente. Já pessoas de classes mais baixas não conseguem ‘segurar a onda’. O vício passa a dominá-las. Assim, essas pessoas começam a gerar uma série de problemas para a família. Chegam tarde em casa, não tomam banho, não comem direito, criam um clima ruim com os familiares, entre outras coisas”.
Um aspecto que costuma ser polêmico sobre comunidades terapêuticas é dinheiro. Afinal, não é barato manter dezenas de pessoas sob seus cuidados. Como já foi dito, um tratamento médico de desintoxicação custa caro e, como grande parte das famílias é carente, se torna difícil conseguir uma internação. Porém, é certo que muitas dessas comunidades não cobram de seus internos.
A fala do pastor Flávio Alcântara, do Ministério Pão e Vida, e de Antônio Petrônio da Rocha, do Monte das Oliveiras, retratam bem essa realidade:
“Não recebemos nada deles. Vivemos de doações. São empresários, amigos, igrejas que contribuem de alguma forma. Eles auxiliam na carne, no pão, no leite, no café, na energia, na água, etc. São pessoas que, ao longo do tempo, têm auxiliado nesse trabalho. Assim como na identificação de familiares daqueles que chegam sem família e também na iniciativa de providenciar documentação para essas pessoas”, relata Alcântara.
“Perguntamos às famílias se elas têm condições de ajudar com algo. Algumas dizem que sim. Outras não. Assim, como fazemos para manter? Doações. Existem muitas pessoas que doam aquilo que podem. Fora as igrejas que fazem campanhas para arrecadar óleo, produtos de limpeza, etc. Temos uma pequena ajuda do Estado, por meio do Programa Pão e Leite, que nos ajuda com 800 reais. Compramos o necessário com esse dinheiro e levamos as notas na Secretaria de Cidadania e Trabalho”, afirma Petrônio.
Até que ponto o aspecto religião é primordial no tratamento?
As duas instituições visitadas pela reportagem são religiosas. Dessa forma, fica o questionamento se esse é um aspecto primordial no tratamento aos dependentes químicos. É necessário que os internos se tornem religiosos também? É preciso que sigam determinado cunho religioso?
Segundo os diretores das instituições, não. O pastor Luiz Aurélio, do Ministério Pão e Vida diz que a Casa não força a aceitação de nenhuma religião, mas oferece conceitos importantes, como família, respeito ao próximo, moral e ética. “Esses estudos contribuem bastante para que eles reflitam sobre o estilo de vida que estavam tendo antes. A intenção é mostrar que há a possibilidade de mudar de vida, desde que haja mudança nos hábitos.”
Já Antônio Petrônio, da Monte das Oliveiras, declara que “costuma falar para os internos que “a entidade é evangélica, mas ninguém precisa necessariamente seguir essa religião. Pelo contrário, é preciso ter liberdade para ser católico, espírita, ou qualquer outra religião. Falo isso porque não posso colocar a minha religião como a melhor de todas”, declara ele.
Segundo os diretores das instituições, não. O pastor Luiz Aurélio, do Ministério Pão e Vida diz que a Casa não força a aceitação de nenhuma religião, mas oferece conceitos importantes, como família, respeito ao próximo, moral e ética. “Esses estudos contribuem bastante para que eles reflitam sobre o estilo de vida que estavam tendo antes. A intenção é mostrar que há a possibilidade de mudar de vida, desde que haja mudança nos hábitos.”
Já Antônio Petrônio, da Monte das Oliveiras, declara que “costuma falar para os internos que “a entidade é evangélica, mas ninguém precisa necessariamente seguir essa religião. Pelo contrário, é preciso ter liberdade para ser católico, espírita, ou qualquer outra religião. Falo isso porque não posso colocar a minha religião como a melhor de todas”, declara ele.
Fonte:Jornal Opção
Nenhum comentário:
Postar um comentário