sábado, 29 de abril de 2023

‘Base de Lula é gelatinosa e não faremos parte’

 



Presidente do Republicanos defende mudar marco fiscal e investigar governo na CPMI

Vice-presidente da Câmara e presidente nacional do Republicanos, o deputado federal Marcos Pereira (SP) classifica como “gelatinosa” a base de sustentação do governo, garante que seu partido não fará parte dela e ironiza a entrega de nove ministérios para três partidos que não estariam votando com o Executivo. Para ele, as dificuldades de montar um grupo governista mais sólido são do “maestro Lula”. “O responsável é o presidente, não tenho dúvida”, afirma.

Nem a provável filiação da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, ao Republicanos deve mudar esse cenário. Pereira reconhece que parte dos deputados busca aproximação com o governo, mas argumenta que os senadores do partido são oposição e que a sigla quer lançar candidato à Presidência da República em 2026 num campo oposto ao PT.

Por causa disso, a legenda manterá independência no Legislativo e só votará a favor das pautas com as quais concordar. Em entrevista exclusiva ao Valor, ele defendeu ajustes no projeto do novo marco fiscal, está contra os decretos que mudaram o marco legal do saneamento básico para permitir a contratação de estatais sem licitação e deve indicar deputados mais alinhados à oposição para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos golpistas. “É óbvio, não tenho dúvida que parte do governo sabia que teria manifestações violentas. [...] Então, não pode apurar um lado só”, diz.

Em uma pauta, contudo, o partido está alinhado aos petistas: a aprovação de proposta de emenda constitucional (PEC) para anistiar irregularidades na distribuição do fundo eleitoral para candidatas mulheres e negros. “São regras legítimas, mas que, na prática, são inexequíveis”, justifica.

O presidente do Republicanos defende o apoio à reeleição do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e diz que o governador Tarcísio Freitas (Republicanos) pode se tornar um presidenciável em 2026, se o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estiver inelegível, mas que vê como mais natural que primeiro concorra à reeleição e que só entre na disputa se as pesquisas mostrarem que este é um desejo dos paulistas. Ele lembra que três governadores de São Paulo tentaram recentemente à Presidência e fracassaram. A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: Quais os planos do partido para a eleição municipal?

Marcos Pereira: Colocamos meta, até módica, de 300 prefeitos no Brasil e 3 mil vereadores. Na última eleição, elegemos 200 prefeitos. Queremos qualidade, vamos focar nas cidades médias e grandes. Já temos os prefeitos de quatro capitais. O prefeito de Natal vai tentar fazer o sucessor, os de Vitória, Goiânia e Teresina têm direito à reeleição. Em São Paulo, temos Campinas e Sorocaba. A eleição do Tarcísio potencializará nossos candidatos em São Paulo, não tenho dúvidas.

Valor: O partido vai apoiar a reeleição do prefeito Ricardo Nunes?

Pereira: Hoje somos base do Ricardo. Administramos o principal programa social do governo, que é a Secretaria Municipal de Habitação, com investimento de R$ 8 bilhões. Não vejo outro nome hoje do centro a não ser o do Ricardo Nunes. Existem pequenos ajustes que não posso contar, mas, sendo feitos, o partido vai apoiar o Ricardo. Pretendemos indicar o vice, que pode ser o próprio João [Farias, secretário de Habitação]. A [deputada] Maria Rosas também é ótimo nome. O governador vai apoiar? Aí tem que ver com ele, mas vou tentar fazer esse arranjo.

Valor: E para a eleição de 2026, o projeto é lançar o Tarcísio como candidato à Presidência?

Pereira: A intenção é ter candidato. Entre o que a gente objetiva e o que a gente consegue realizar tem uma construção a ser feita. Temos pelo menos três possíveis candidatos, se bem construídos, porque têm projeção nacional. Não falei com eles sobre isso ainda, mas os senadores [Hamilton] Mourão e Damares [Alves] podem ser. O Tarcísio, óbvio, seria o principal nome, mas vejo como mais natural ele ser candidato à reeleição porque os outros que tentaram esse caminho não tiveram sucesso. O [José] Serra saiu ainda no primeiro mandato de governador para tentar ser candidato e perdeu [a eleição]. O Geraldo [Alckmin] tentou duas vezes ao fim do segundo mandato e também não conseguiu. O [João] Doria nem candidato conseguiu ser. Portanto, temos que tomar cuidado com esse negócio de “Tarcísio, Tarcísio, Tarcísio”.

Tarcísio, óbvio, seria o principal nome [para a Presidência], mas vejo como mais natural ele ser candidato à reeleição”

Valor: O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), disse considerar o Tarcísio mais forte que a Michelle se Bolsonaro ficar inelegível.

Pereira: Também acho. Agora pode ser que o que eu acho pode não ser o que população acha. Há também outras situações. Se Bolsonaro chegar elegível, duvido que Tarcísio sairia candidato [a presidente]. Ele é muito grato, muito correto, muito leal. Então, o natural seria a reeleição. Se o Bolsonaro chegar inelegível, que é o que todo mundo acha que vai acontecer, o que condicionará a candidatura? Ele ter feito um bom governo, estar bem aprovado e ter chamamento da população, que vamos medir através de pesquisas e de conversas com as pessoas. Nas pesquisas qualitativas, o paulista tem que querer que ele vá “para salvar o Brasil”. Se o paulista disser “não, não, não”, ele não deve ser candidato, é o maior colégio eleitoral. Mas está tudo muito longe. O erro do governo Bolsonaro e do governo Doria foi antecipar esse debate.

Valor: Sua opinião é de que Bolsonaro ficará inelegível?

Pereira: Não conheço os autos dos vários processos que ele responde no TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e, como advogado, vou me abster para não cometer um erro. Mas o que ouvimos no meio político e jurídico é de que a chance é grande.

Valor: Se ele estiver elegível, vocês o apoiarão novamente em 2026?

Pereira: Não descartamos.

Valor: Os partidos de centro-direita não cogitam lançar candidato próprio? Ou continuará difícil fugir da polarização em 2026?

Pereira: Em 2018 fizemos isso. Nos unimos em torno Geraldo Alckmin e não deu. Vai ser muito difícil fugir da polarização.

Valor: O senhor falou que o Bolsonaro era turista nos Estados Unidos e não líder da oposição porque saiu do Brasil. Ele voltou, mas continua sumido. Qual o papel dele?

Pereira: Bom perguntar para o partido dele [o PL].

Valor: Vocês não foram chamados para alguma conversa com ele, discutir o trabalho de oposição?

Pereira: Não. E no Senado, o partido atua no bloco com PP e PL, até pelo perfil dos senadores. Na Câmara, é mais independente por ter bancada mais plural, o que dá liberdade de apoiar alguns projetos e não apoiar outros. Quando você é base, fica quase que obrigado a votar a favor de tudo. Base firme, né, porque a base do Lula está meio gelatinosa, meio instável. Três ministérios para três partidos diferentes e não entregam votos...

Valor: O senhor está prestes a ganhar um ministério, o do Turismo...

Pereira: A ministra pode vir, se conseguir sair [do União Brasil] sem perder o mandato de deputada federal. É natural porque o marido dela já se filiou e é o presidente do partido no Estado [do Rio de Janeiro]. Mas isso não quer dizer que Republicanos virará base e isso foi tema de conversa minha com o Waguinho antes.

Valor: Aí vocês vão virar um União Brasil do B.

Pereira: Nenhuma chance. O próprio União diz que ela é cota pessoal do Lula, por um apoio do Waguinho ao Lula no segundo turno. É público e notório que não seremos base, nem se ganharmos cinco ministérios. Não tem como. Tenho o governador de São Paulo, o governador do Tocantins e quatro senadores contrários. Tenho 42 deputados federais e no máximo 12 teriam disposição para ser governo abertamente, ir de peito aberto. Continuaremos independentes.

Valor: A base de sustentação do Lula foi mal construída?

Pereira: Me causou surpresa. Com a experiência que o presidente Lula tem na política, montar o ministério da forma que ele montou.... a maior surpresa foi pegar o ex-governador Waldez Góes, que é um quadro histórico de um partido [PDT], e dizer que ele ia se licenciar para representar outro partido como ministro [do Desenvolvimento Regional, pelo União]. Isso não existe, né?

Votar arcabouço fiscal até dia 10 é impossível, por falta de tempo hábil para discutir as alterações necessárias”

Valor: A quem o senhor atribui essa dificuldade de formar uma base mais consistente? Ao ministro Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais? Ao Rui Costa, da Casa Civil? Aos líderes do governo no Congresso?

Pereira: O governo é como uma orquestra. Cada um toca um instrumento, mas tem um maestro. Se o maestro reger errado, a orquestra desafina. Se tudo der errado no Republicanos, quem é o culpado sou eu. Não decido sozinho, mas sou o responsável. Então o responsável é o presidente [Lula], não tenho dúvida.

Valor: O fim do orçamento secreto, que ajudou o Bolsonaro, dificultou a construção da base aliada?

Pereira: O Bolsonaro não teve base. Teve três partidos só: o Republicanos, PL e PP. Os outros ajudavam muito pela articulação do presidente da Câmara. Ocorre que o Parlamento vem mudando, o presidencialismo de coalizão também. Não basta você dar ministérios se o Orçamento quem decide é o Legislativo. O Centrão, como vocês gostavam de chamar, também acabou. O Republicanos está independente, o PL virou oposição e o PP está dividido. No governo Temer, esse grupo todo estava no poder.

Valor: O Centrão também incluía MDB e PSD por apoiar vários governos em troca de cargos. Mas de fato esse grupo coeso está dividido em dois blocos na Câmara.

Pereira: Isso aí não tem nada a ver com o governo. É mais para disputar as posições na Câmara. Falei isso para o [presidente da Câmara] Arthur [Lira] várias vezes: a possível federação entre PP e União Brasil nos preocupava. Ficaria a federação PP/União, PL e a federação do PT lá em cima e depois nós - PSD, MDB e Republicanos-, com 42 deputados cada, lá embaixo. Tudo ia ser distribuído lá em cima, não ia sobrar nada de relatorias ou comissões para a gente. Então os líderes desses partidos conversaram e pensaram que seria melhor atuarmos juntos para nos proteger. Reunimos os presidentes, eu liguei para [o presidente do PSD, Gilberto] Kassab, para [o presidente do MDB] Baleia [Rossi], e combinamos. Depois chamamos também o Podemos. Nunca discutimos a sucessão na Câmara.

Valor: Passados 100 dias do governo, qual sua avaliação?

Pereira: Não está funcionando como deveria. Eu esperava, como brasileiro, que eles pudessem ir melhor. Pela experiência do presidente Lula, de alguém que já conhece a máquina pública, de um partido que já governou o país quatro vezes. Não sei o que está acontecendo para estar tão desorganizado. Não sou governo, não tenho ideia. Não vou no Palácio [do Planalto] desde antes da eleição... a última vez que falei com o presidente Lula foi na PEC da Transição, por telefone.

Valor: Nunca mais te procuraram para uma conversa?

Pereira: Não, nunca mais.

Valor: Naquela ligação, vocês negociaram que o teto de gastos poderia ser substituído por uma nova regra por lei complementar. A proposta do novo marco fiscal foi enviada agora, qual a posição do partido?

Pereira: Precisa de mudanças. Não poderia dizer agora quais porque não li o texto todo e não reuni a bancada. Mas uma mudança que já poderia pontuar é que não basta o presidente só se justificar numa carta, se não cumprir a meta fiscal. Ele precisaria explicar de forma minuciosa as razões e, se o Parlamento julgar que essas explicações não são satisfatórias, deveria ter alguma sanção. Se não fica muito fácil, não vai cumprir nunca, ainda mais num governo que tem tendência de ser mais gastador. Outro ponto que precisa ser esclarecido é a origem das receitas. O governo errou também ao não propor cortes de gastos. Votar até dia 10 é impossível, por falta de tempo hábil para discutir.

Valor: O projeto das “fake news” será votado na terça-feira?

Pereira: O presidente quer muito votar, mas acho que não será possível. Se o texto for o mesmo de hoje [quarta-feira, antes do novo parecer], o Republicanos votará contra, apesar de ter ajudado no requerimento de urgência. Precisa de mudanças substanciais. A principal é a agência [reguladora] porque não vai entregar para o governo o poder de dizer o que é [“fake news”] e o que não é. Isso tem que tirar. Não vejo disposição dele [Lira] para criar uma comissão especial sobre o projeto, mas talvez fosse uma solução para amadurecer o tema com mais debates.

Valor: As CPIs vão contaminar a agenda econômica?

Pereira: Acho que não. Quando iniciar a ordem do dia no plenário, tem que parar a comissão, é obrigatório. Contamina politicamente, mas os parlamentares que estarão na CPI vão estar focados lá, enquanto os demais estarão dedicados a outros assuntos. O relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo [Ribeiro], não vai para a CPI. O deputado Claudio Cajado não vai parar o arcabouço para participar da CPI.

Valor: Qual a linha de atuação do Republicanos na CPMI dos atos golpistas de 8 de janeiro?

Pereira: Ainda não decidimos quem serão os membros, não sabemos se vamos ter um ou dois representantes da Câmara. Nossa tendência é indicar quem subscreveu o pedido de CPI porque tem interesse no tema. Sobre a linha de investigação, temos que ir atrás da verdade, seja de um lado, seja de outro. É óbvio, não tenho dúvida, que parte do governo sabia que teria manifestações violentas. Isso já está claro. Por que não se preparou antes, só tinha 30 agentes no Palácio no dia? Então, não pode apurar um lado só.

Valor: Que parte do governo sabia? O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino?

Pereira: É o que dizem. Não estou dizendo se teve culpa ou não.

Valor: O partido votará a favor da reforma tributária dos impostos sobre consumo?

Pereira: Precisamos conhecer o texto da reforma antes, mas, conceitualmente, somos a favor. Temos hoje um dos piores sistemas do mundo, e digo isso como advogado, contador e ex-ministro da Indústria e Comércio Exterior. Se houver simplificação já é grande avanço. Agora, os detalhes, o ponto a ponto, só quando conhecer o texto. Mas acredito que seja possível votar no primeiro semestre, antes do recesso. Tem muitos deputados que são oposição ou estão insatisfeitos com o governo, mas que na reforma votam a favor porque é projeto de país, uma pauta do Parlamento, não de um governo.

Valor: Foi apresentada proposta de emenda constitucional (PEC) para perdoar irregularidades cometidas pelos partidos ao não repassar os recursos exigidos do fundo eleitoral para negros e mulheres.

 O Republicanos é a favor da anistia?

Pereira: Não diria que são irregularidades, diria que foi descumprimento de determinadas regras. São regras legítimas, mas que, na prática, são inexequíveis. Mulher no Republicanos não é cota, é tratada como igual, falei isso no meu discurso de reeleição. Mas não tem, infelizmente, mulheres com voto para poder disputar no nível que a legislação exige. Aí eu coloco dinheiro do fundo eleitoral numa candidata que acaba não tendo votos e sou acusado de usar dinheiro público com uma laranja. Tivemos um exemplo muito claro ano passado, de uma vereadora em São Paulo e líder comunitária. Investimos na campanha e teve apenas 568 votos. Temos que discutir uma solução. Não sei qual é, se uma cota para as eleitas, mas o fato é que a regra é inexequível.

Valor: A defesa de uma candidatura presidencial atrapalha sua candidatura à presidência da Câmara? O governo Lula não vai querer um potencial adversário controlando a pauta do Legislativo.

Pereira: O presidente da Câmara tem que ser independente para preservar a independência dos Poderes. Não pode ser inimigo nem amigo do governo. Sei separar muito bem as coisas. Se os outros não sabem, a gente vai construindo, né? Mas eu não sou candidato a presidente da Câmara. Esse é um debate que vai começar em outubro do ano que vem, depois das eleições municipais. Lá no futuro eu vou decidir.

Valor: O partido está contra os decretos do marco do saneamento?

Pereira: Tem um sentimento na bancada para revogar esses decretos. É legítimo o governo querer mudar o que foi legislado, mas para isso precisa mandar um projeto de lei porque um decreto não pode revogar uma lei que aprovamos no Congresso.

Valor: E o decreto das armas?

Pereira: Nesse caso já tem muita decisão que foi tomada por decreto. É um tema que não domino e também não apoio. Nas fazendas até entendo, com alguma regulação, mas armar a população nas cidades eu não concordo. Nunca dei um tiro na minha vida nem tenho vontade. Acho que tenho um trauma. Meu pai sempre andava armado. Um dia estava limpando a arma, disparou e quase pegou na cabeça do meu irmão.

Valor: A maioria do Republicanos votou contra a legalização dos jogos de azar e agora o governo fala em regulamentar as apostas esportivas. Vocês são contra?

Pereira: Nem todos no partido votaram contra a legalização dos jogos. Não debati com a bancada, mas acho que são coisas diferentes. O grande problema desse tema é que vai continuar existindo se a gente não fizer nada. Se tem gente atuando de forma clandestina, tem que encontrar uma forma de o Estado fiscalizar isso. Mas não avaliei direito.


Por Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto — De Brasília

Fonte:https://valor.globo.com

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