sábado, 26 de julho de 2014

Eleições: IDH entra no meio do tiroteio eleitoral


Com o Brasil em 79º no ranking de desenvolvimento humano, oposição critica o ritmo lento de crescimento, enquanto o governo enaltece o avanço de uma posição no ranking mundial, apesar de contestar os dados utilizados.

Novo Gama, uma das cidades mais pobres ao redor do DF: a desigualdade é o grande entrave do país.

O retrato brasileiro pintado ontem pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), ao lançar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 2013, serviu de munição tanto para a oposição quanto para o governo. Enquanto o Palácio do Planalto escalou ministros para comemorar a subida do Brasil no ranking mundial e contestar os dados usados pela agência da Organização das Nações Unidas (ONU), os adversários da presidente Dilma Rousseff criticaram o ritmo lento do crescimento do IDH brasileiro, menos acelerado que o de países vizinhos na América Latina e dos Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)...

O Pnud avaliou o cenário de 187 países, destacando três dimensões como critério: vida longa e saudável; educação; e padrão de vida decente. No ranking, o Brasil está em 79ª posição, uma acima do ano passado, o que o coloca entre os países considerados com alto IDH. Na escala de 0 a 1, em que quanto mais próximo do 1 maior o desenvolvimento, o país está com 0.744 — contra 0.742 em 2012. Ajustado à desigualdade social, no entanto, o IDH mostra que, embora esteja se tornando mais desenvolvido, o Brasil ainda é muito desigual. Sob essa ótica, o índice cai 27%, fechando em 0.542.

Adversário de Dilma nas urnas em outubro, o senador Aécio Neves (PSDB) disse que é necessário reconhecer o avanço do Brasil nas últimas décadas, mas também é preciso superar a desigualdade social. “(O IDH) revela a necessidade de políticas públicas que promovam o desenvolvimento regional, diminuindo a desigualdade entre as regiões do país. Hoje, poucos estados são responsáveis por elevar o IDH brasileiro. As diferenças precisam diminuir também entre cidades, bairros e famílias, pelas quais a ação governamental precisa começar.”

O IDH não mede o desenvolvimento por município no país. Mas o Atlas do Desenvolvimento Humano Brasil, divulgado pelo Pnud em 2013, mostra essas disparidades. O Distrito Federal, por exemplo, é apontado com um dos melhores índices de renda, longevidade e educação, recebendo a classificação de “muito alto” desenvolvimento. Mas, logo ao lado, no Entorno, em cidades como o Novo Gama, a realidade é outra. O desenvolvimento é “médio”. Enquanto Brasília ficou na 9ª posição no ranking, Novo Gama aparece em 2.332º.

Para o secretário-geral do PSB, Carlos Siqueira, a desigualdade “reflete a leniência do governo com as políticas sociais”. “São insuficientes para melhorar. Há muita concentração de riqueza e políticas muito frágeis para avançar em áreas como saneamento. É importante reconhecer que houve avanço, mas ainda fizemos muito pouco em termos de políticas sociais.”

Já o líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy, critica a lentidão do crescimento. “Isso é claramente percebido pela população. A realidade é bem diferente da propaganda do PT. Mostra que o governo perdeu tempo. Foi negligente durante a última década. Tivemos muitas oportunidades de surfar na onda do crescimento mundial, mas o PT procurou o caminho mais fácil ao fazer apenas políticas de distribuição de renda, sem observar outros fatores importantes”, ataca. A desigualdade também diminui em ritmo lento. Em 2011, o IDH caiu 27,2% quando se ajustava ao item, ou seja, apenas 0,2 ponto percentual a mais que 2013.

O dado que reforça o ritmo lento de crescimento brasileiro é o de que, embora tenha subido no ranking de 2012 para 2013, o país perdeu quatro posições entre 2008 e 2013. O IDH do Brasil avançou de 0,731 em 2008 para 0,744 em 2013. Em outras palavras, outros países cresceram mais rápido que o Brasil no período.

Já o governo brasileiro comemorou o aumento do IDH. Os ministros do Desenvolvimento Social, Tereza Campello; da Saúde, Arthur Chioro; e da Educação, Henrique Paim, fizeram uma análise dos avanços em cada área, mas contestaram os dados usados pelo Pnud. “O governo avalia de maneira muito positiva. O país é citado quase 20 vezes pelo relatório, sempre destacando os avanços”, diz Tereza, acrescentando que “temos dados mais atualizados sobre a maioria dos itens usados para compor o IDH, mas o Pnud usa antigos”. 

O governo recalculou o índice usando dados atualizados. Para Tereza, o IDH brasileiro é de 0.764. Embora a ministra tenha dito que, com esse novo índice, o Brasil subiria para 67ª posição no ranking, não e possível fazer essa comparação, pois o governo não recalculou o IDH de outros países que compõem a lista do Pnud. Como uma das apostas para melhorar a posição do Brasil no próximo ranking, Chioro citou a adoção do Programa Mais Médicos, um dos carros-chefes da propaganda petista nas eleições deste ano.

Relatório 
O Pnud lançou ontem, em Tóquio, o Relatório do Desenvolvimento Humano 2014. Na nota técnica sobre o Brasil, a agência destaca os avanços do país. Para Jorge Chediek, coordenador-residente do Sistema Nações Unidas no Brasil e representante-residente do Pnud no Brasil, o investimento em programas sociais —como o Bolsa Família, citado como exemplo de iniciativa barata e eficiente — foi um dos responsáveis pela subida do país no ranking. “Às vezes, a saída (da pobreza) é intergeracional. E, às vezes, a pessoa não tem como sair porque tem um capital social muito baixo. Por isso, as pessoas precisam ter uma proteção social.”, diz Chediek. 

O relatório traz ainda dois outros índices: Pobreza Multidimensional e Desenvolvimento de Gênero. O primeiro é uma tentativa de identificar a pobreza não apenas pela renda per capita, mas também por privações em áreas como saúde, educação e padrão de vida. No Brasil, 3,1% da população é multidimensionalmente pobre. Já o segundo é de 0.441 e, de acordo com Chediek, destaca que é necessário aumentar a presença feminina especialmente na política.

Palavra de especialista
É preciso investir
O Brasil teve uma redução muito grande da mortalidade infantil, aumento da esperança de vida e da escolarização. E o indicador de escolaridade pode mostrar que o futuro do país é bastante promissor. Todos reconhecemos que houve melhora de acesso a bens de consumo, qualidade de vida. A alimentação deixou de ser tão grave como no passado e a fome não é mais o grande problema. Mas ainda precisamos investir muito. O que nos coloca para trás é a desigualdade. Temos muitos estudos, bons técnicos, cientistas capacitados, estamos avançando em questão de tecnologias. Mas não me parece haver uma integração entre essas diversas correntes. É preciso trazer todas essas ideias e conhecimentos produzidos em prol da solução de problemas que a sociedade ainda enfrenta. O Bolsa Família, por exemplo, atinge uma faixa específica da população. Mas enquanto existirem jovens de periferia que não concluem a educação básica, eles não vão ter acesso a empregos que proporcionem qualidade de vida e acesso a bens e serviços que a sociedade brasileira têm produzido. O número de anos de estudo e a qualificação influem diretamente na desigualdade social.
Ana Maria Nogales é coordenadora do Laboratório de Populações em Desenvolvimento e professora do Departamento de Estatística da Universidade de Brasília (UnB)

A situação brasileira
Veja os componentes da posição alcançada pelo Brasil

0.744
é o IDH 2013 do país

79ª
É a posição do Brasil entre os 187 países avaliados

73,9 anos
Esperança de vida ao nascer

15,2 anos
Expectativa de escolaridade

7,2 anos
média de anos de estudo da população adulta

US$ 14.275
Renda Nacional Bruta per capita

0.542
É o IDH do Brasil recalculado pelo Pnud, quando a desigualdade é levada em conta

27%
É quanto cai o IDH brasileiro sob a ótica da desigualdade

Ranking mundial
Os cinco primeiros (muito alto índice de desenvolvimento)
1. Noruega 0.944
2. Austrália 0.933
3. Suíça 0.917
4. Holanda 0.915
5. Estados Unidos 0.914

Brasil e próximos (alto índice de desenvolvimento)
77. Jordânia 0.745
77. Sérvia 0.745
79. Brasil 0.744
79. Geórgia 0.744
79. Granada 0.744

Os cinco últimos (baixo índice de desenvolvimento)
183. Serra Leoa 0.374
184. Chad 0.372
185. África Central 0.341
186. Congo 0.338
187. Níger 0.337

Brics
57. Rússia 0.778
79. Brasil 0.744
91. China 0.719
118. África do Sul 0.658
135. Índia 0.586

Comparação com os vizinhos
41. Chile 0.822
49. Argentina 0.808
50. Uruguai 0.790
79. Brasil 0.744
111. Paraguai 0.676
113. Bolívia 0.667
Fonte: Por AMANDA ALMEIDA, ANA POMPEU e JULIA CHAIB - 25/07/2014 -

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