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terça-feira, 29 de julho de 2014

Dar palmada em criança é covardia ou uma forma de educar?

Em vigor desde junho, legislação é alvo de polêmica. Até o momento, não houve registros de casos

Carla Rodrigues
carla.rodrigues@jornaldebrasilia.com.br

Lucas (nome fictício) está acuado. Uma “mãe social” tenta se aproximar do menino, que se esconde embaixo do tanque. Ela tenta iniciar uma conversa. Ele não quer falar, mas aos poucos começa a revelar o rosto por trás de uma história de agressões físicas e psicológicas. Uma marca, próxima à boca, chama a atenção. “O que foi isso?”, pergunta a psicóloga do abrigo. Ele passa a mão em cima da cicatriz e responde: “Foi meu pai, ele passou a faca aqui. Ele me cortou quando eu era pequeno. Tava com raiva. Eu não lembro, mas minha avó me contou”. 
O menino, de sete anos, diz isso e sai correndo. Não quer estender a história. Prefere brincar com os colegas do abrigo: mais 15 menores que assim como ele foram parar ali por negligência, maus-tratos e violência dentro de casa. Segundo a psicóloga e coordenadora do projeto, Ana Paula do Nascimento, 36 anos, 99% dos casos que chegam até o local envolvem mais do que palmadas, mas a reincidência de constantes castigos físicos e morais. Situações que chegam ao ponto de um vizinho, um professor ou até um familiar denunciar os pais. 
 São casos que se enquadram na polêmica Lei da Palmada, em vigor desde o dia 12 de junho deste ano. O Senado aprovou a nova legislação,  rebatizada de Lei Menino Bernardo, depois do crime de Três Passos (RS). O texto altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, determinando que os pais não podem impor castigos que resultem em sofrimento ou lesões nos filhos. Mas há quase dois meses em vigor, ainda não houve nenhum registro de denúncia sobre esse tipo de crime.
Discussão
Muitas pessoas receberam mal a iniciativa, por acreditar que um tapa, ou uma palmada, não fazem mal, pelo contrário.
 “Sou contra espancamento. Mas acho que não ficou claro aí nessa lei até que ponto isso vai. Se meu filho levar uma palmada e quiser me denunciar, ele tem razão? A Justiça fica do lado de quem?”, questiona a operadora de telemarketing, Mariana Cristina da Matta, 24 anos. Para ela, a legislação não é clara e deixa os pais confusos.
Saiba Mais
Dados da Secretaria da Criança do Distrito Federal revelam que a violência física é a segunda maior causa de denúncias de violações dos direitos da criança e dos adolescentes na região. 
Foram 30 ocorrências até maio deste ano. O número só fica atrás da negligência, com 63, de um total de 133. 
A violência psicológica e sexual ocupam o terceiro e quarto lugar respectivamente, somando juntas 28 casos somente neste ano.
Para alguns pais, castigo físico é válido
 A história de Lucas, contudo, não deixa dúvidas. Ele era um refém da ignorância. “Muitos pais foram criados assim, com castigos físicos e acham que isso é normal. Porque essa questão é muito cultural na nossa sociedade. A palmada tem que ser o último recurso. Já vi situações absurdas aqui na delegacia, assim como também já vi casos irrelevantes. Têm muitas pessoas que tratam ela como primeiro recurso e começam a exagerar e por aí vai”, avalia a delegada da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Valéria Raquel Martirena. 
Em contrapartida, para os pais que tentam educar e corrigir os filhos usando a palmada, a legislação é exagerada e complexa, pois não deixa claro quais são os limites de cada ato e nem como eles serão avaliados pela Justiça. 
 “Sou contra maus-tratos, mas uma palmadinha não faz mal a ninguém. O bater, quando a gente é mãe e pai, é para corrigir e não espancar”, opina a aposentada Angélica Popov, 63 anos. 
 Avó de dez netos e mãe de cinco filhos, ela diz que a lei é válida para punir pais que, eventualmente, perdem a mão na “palmadinha”. “Para isso, a legislação vai mudar muita coisa para melhor. Tem muita criança sofrendo maus-tratos por aí. E você pode dizer que é cultural, porque é, mas não justifica você machucar alguém indefeso”, diz. A aposentada revela que apanhou dos pais e também deu palmadas nos filhos. “Tudo com a intenção de educar”, disse.
Há limite?
Segundo a delegada Valéria Raquel Martirena, muitos pais foram criados  com castigos físicos e crescem achando que isso é normal. Essa questão é muito cultural dentro da nossa sociedade. O tapa tem que ser o último recurso adotado. Já vi situações absurdas dentro da delegacia, assim como também já presenciei  casos irrelevantes. O fato é que algumas muitas pessoas que usam a palmada como a primeira alternativa e acabam exagerando.
Violência deixa cicatrizes na alma
Para a professora Miriam Mayren Marques, 44 anos, as palmadas são necessárias, mas não devem lesionar a criança. “Eu penso que o Estado tentou fazer uma coisa boa, mas não conseguiu. Sou a favor da proteção dos menores, com certeza. O problema é que se eu não educar, não colocar limites, quem vai fazer isso por mim? Tem colegas minhas de profissão que desistiram de dar aulas porque as crianças estão impossíveis. Os pais se perderam. Não sabem educar. E eu acho que a palmada tem seu valor”, afirma. Ela tem seis filhos, o mais velho de 22 anos e a mais nova tem sete.
 De acordo com a psicóloga Ana Paula Nascimento, a maior parte dos pais opta pela palmada em um momento de raiva. “Eu sou a favor da lei. Percebo que quando o adulto bate numa criança, na maioria das vezes, não é apenas para corrigir, mas para descontar alguma frustração dele”, disse.
 “Eles descontam a raiva na criança, que não tem força para se defender. Pergunta para alguma dessas pessoas contra a legislação se elas bateriam nos filhos em um momento de paz”, relata. 
O motorista Leonardo Gomes, 31, afirma que denunciaria um caso de maus-tratos. “Eu acho que as palmadas são válidas até certo ponto. Se eu ver um adulto espancando numa criança, denuncio”, ressalta o pai do pequeno Gustavo, de 4 anos.
Criminalização não é novidade
A delegada Valéria Raquel Martirena explica que a lei, na verdade, não traz nenhuma novidade no que diz respeito à criminalização de condutas.  “Maus-tratos e violência às crianças e adolescentes já estavam criminalizados no Código Penal há muitos anos. A nova legislação só veio, como a Maria da Penha, dizer o que é uma violência doméstica”, explicou. 
Martirena cita alguns casos que chegaram à delegacia e foram levados adiante pela Justiça: “Uma mãe que colocou ovo quente na mão do filho para castigá-lo, um pai que bateu tanto no filho a ponto dele perder o rim. Têm pais que mordem as crianças deixando marcas. Mas, vale lembrar, não cabe nem a mim dizer se ali vale a Lei da Palmada ou não. Eu, como delegada, apenas digo se incorreu agressão. Quem julga são os juízes”, concluiu.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília

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