“Você não serve pra nada.”
Foi o que um menino de sete anos me disse no meu último dia como professora.
Sem raiva. Sem ironia. Apenas uma frase solta, dita com a naturalidade de quem comenta sobre o tempo.
“Você não sabe fazer TikToks. Minha mãe disse que pessoas velhas como você já deviam se aposentar.”
Eu sorri. Aprendi a não levar pro coração. Mas algo, lá dentro, quebrou, de novo.
Meu nome é Helena. Ensinei o 1º ano por 36 anos em uma cidadezinha perto de Belo Horizonte. Hoje, arrumei minha sala pela última vez.
Quando comecei, ser professora era um chamado. As pessoas confiavam em nós. Os pais levavam bolo de fubá nas reuniões. As crianças faziam cartões cheios de erros e corações tortos. E quando um aluno lia sua primeira frase em voz alta, o mundo inteiro cabia naquele instante.
Mas as coisas mudaram. Lentamente, até que um dia olhei em volta e não reconheci mais a sala que tanto amei.
Hoje, quase metade dos professores brasileiros é interrompida o tempo todo. Perdemos 21% do tempo de aula tentando manter a ordem. Já gritaram comigo na frente de uma turma. Não alunos, pais.
“Vi o vídeo no celular do meu filho”, disse um deles.
E ninguém perguntou como eu estava.
As crianças também mudaram. Vivem cansadas, ansiosas, carentes de sono e de abraço. Não é culpa delas, cresceram num mundo barulhento e desconectado. Chegam sem paciência, sem afeto, sem tempo pra ser criança.
Ainda assim, continuo acreditando no que sobrevive.
Na menina que me disse: “Aqui me sinto segura.”
No menino tímido que murmurou: “Li sozinho.”
São esses momentos que me salvaram do naufrágio.
Hoje, ao esvaziar a sala, encontrei uma caixa de cartas antigas.
Uma delas dizia: “Obrigado por gostar de mim, mesmo quando fui bagunceiro.”
Chorei.
Porque naquela época, ensinar era sinônimo de amor.
Hoje, parece um ato de resistência.
Mas se um dia o mundo esquecer do valor de um professor, que pelo menos o amor guardado nos olhos de uma criança continue lembrando.
E é isso que levo comigo.
O que ensinei — e o que aprendi.
O que passou — e o que ficou.
Isso é meu.
Ninguém pode me tirar.

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