A Câmara dos Deputados acaba de dar um passo perigoso rumo à confusão entre fé e poder. Com ampla maioria, aprovou o regime de urgência para a criação da chamada bancada cristã, que, se instituída, passará a ter voz e voto no colégio de líderes, o espaço mais estratégico e decisivo da política nacional.
Em outras palavras: o que deveria ser um espaço de pluralidade e representação da sociedade se tornará também um púlpito político.
É curioso e inquietante que se queira oficializar uma bancada baseada em religião num Estado que, pela própria Constituição, é laico. A laicidade não é hostilidade à fé, mas sua maior guardiã. É o que garante que nenhuma crença se imponha sobre as demais, que o católico, o evangélico, o espírita, o umbandista, o ateu e o agnóstico tenham o mesmo peso e a mesma dignidade diante da lei.
Transformar a fé cristã, que segundo seus próprios princípios deveria servir ao bem comum e à justiça, em instrumento de poder político institucionalizado é deturpar seu sentido original. Jesus não fundou uma bancada, nem disputou espaço no sinédrio; ele denunciou a mistura tóxica entre religião e poder que o levou à cruz.
Argumentar que, por o Brasil ter maioria cristã, é “natural” que essa maioria tenha também um espaço político exclusivo é ignorar a função ética da democracia: proteger as minorias, não sacramentar as maiorias. Se seguirmos essa lógica, amanhã talvez queiram criar uma bancada heterossexual, uma bancada cristã-branca ou uma bancada antiaborto, sob o pretexto de representar a maioria moral.
O problema não é a fé dos parlamentares, mas a instrumentalização da fé como ferramenta de controle político. A criação de uma bancada cristã institucionaliza o privilégio de um grupo sobre todos os outros credos, um retrocesso civilizatório que coloca em xeque o próprio princípio republicano.
O cristianismo não precisa de bancada. Precisa de coerência.
E coerência, neste caso, seria lutar por justiça, por dignidade e por liberdade, inclusive a liberdade de não crer.
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