Especialistas defendem gratuidade e alertam para risco de “colapso” do sistema de transporte público caso modelo atual continue em prática
Cenário da capital
Santini cita que, em Brasília, a quantidade de passageiros do transporte público por mês vem caindo de forma preocupante. “Eram 32 milhões em 2013 e caiu para 29,2 milhões em 2019, antes da pandemia. No auge da pandemia, em 2021, eram 12,7 milhões. Mesmo depois, tivemos 26,8 milhões de passageiros por mês em 2022 e 22,2 milhões neste ano”, exemplifica.
“É muito grave e preocupante. A receita cai, porque se perdeu passageiros, então a empresa aumenta a passagem ou reduz a frota. Mas isso afasta a população, e a receita cai de novo, tendo que repetir a operação. Brasília tem tentado manter esse sistema com aumento dos subsídios. Então, é uma curva para baixo de passageiros e, ao mesmo tempo, uma curva para cima dos gastos dos subsídios”, detalha o especialista.
Pesquisas de Daniel mostram que, considerando os gastos principais com as empresas, os repasses do governo do DF saíram de R$ 830 milhões em 2018 para R$ 1,4 bilhão em 2022. Ele também avalia que os contratos com as empresas de transporte público são “generosos”, pois o Estado assume o risco em caso de redução de passageiros, o que representa aumento permanente de custos com subsídios.
Caminhos para a tarifa zero
Deputados distritais do DF criaram a Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana (CTMU), presidida por Max Maciel (PSol). O grupo, de cinco parlamentares, vem promovendo estudos e debates para aproximar a capital do país à realidade da gratuidade do sistema, como a criação da subcomissão Tarifa Zero.
Nas últimas ações, a Comissão realizou audiência pública na Câmara Legislativa, na última terça-feira (13/6), e fez visita à Prefeitura de Formosa (GO), que tem essa gratuidade e promoveu o 3º Seminário Internacional Sobre Tarifa Zero. Na audiência em Brasília, o secretário de Transporte e Mobilidade do DF disse não enxergar essa possibilidade como algo “utópico”. “É uma coisa verdadeira e está próxima, mas tem que ser muito bem pensada”, afirmou Flávio.
Na visita a Formosa, Max Maciel defendeu que “pagar pela tarifa no transporte público é uma forma de excluir os mais empobrecidos, principalmente os pretos e periféricos”. “A tarifa zero é uma maneira de diminuir essa desigualdade e garantir o acesso da população a outro direitos fundamentais, como a saúde e a educação.”
Onde já deu certo
Cidades de diferentes tamanhos e configurações já aderiram ao modelo gratuito e vêm apresentando resultados positivos. Com 368.918 habitantes, o município de Caucaia (CE) é o mais populoso a adotar a gratuidade, seguido de Ibirité (MG), com 184.030, e Maricá (RJ), com 167.668.
A cidade fluminense implementou a tarifa zero em 2014 e é a principal referência pelo volume do transporte. No ano passado, 36,3 milhões de pessoas foram transportadas nas 38 linhas disponíveis em 115 ônibus. Comparando com Brasília, que tem mais de 3 milhões de habitantes e 321 milhões de viagens por ano, Maricá ainda tem média maior de viagens por pessoa. São 104 viagens por pessoa a cada ano no DF e 216,9 em Maricá.
Para o pesquisador Daniel Santini, analisar esses exemplos pelo país mostra viabilidade econômica para a implementação. “Muitos encontraram na tarifa zero uma forma de otimizar recursos. Em vez de pagar a empresa, começar a gerenciar, estatizar o sistema, o que gera uma economia, sem aquele sistema de cobrança e controle, que também é um custo. Em Caucaia, a administração explica a gratuidade a partir de uma reorganização de contratos e gastos, e tem economia com vale-transporte para funcionários públicos, por exemplo.”
Ele também defende que uma política com tantos benefícios não pode só ser analisada pela ótica de geração de lucro direto. “O sistema de transporte público não precisa ser superavitário, porque ele beneficia toda a cidade, que simplesmente para sem esse funcionamento. Se você tem uma rede bem constituída, o que acontece? A proporção de pessoas usando automóveis diminui, isso traz benefícios ambientais, de mobilidade, traz ganhos coletivos, tem conexão com outros aspectos, como a defesa da vida”, exemplifica.
Legislação
Há discussões nacionais para tentar instituir o chamado Sistema Único de Mobilidade (SUM), como acontece com o Sistema Único de Saúde (SUS), exemplo internacional. Um dos textos legislativos que busca essa gratuidade é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 25/2023, apresentada pela deputada federal Luiza Erundina (Psol-SP) e com apoio dos membros da bancada do DF Erika Kokay (PT), Reginaldo Veras (PV) e Alberto Fraga (PL).
A PEC quer acrescentar um capítulo ao Título VIII da Constituição Federal para fazer com que o transporte seja um “direito de todos e dever do Estado”, garantindo “gratuidade ao usuário do transporte público coletivo urbano e de caráter urbano”. Aguardando despacho do presidente da Câmara dos Deputados, o texto ainda não tem data para ser votado.
Na Câmara Legislativa, Max Maciel apresentou o PL 362/2023. O projeto de lei quer criar o Fundo Distrital de Transporte Público e Mobilidade Urbana (FDTPMU), que prevê uma série de medidas que podem viabilizar recursos para ajudar a custear a tarifa zero, mas também sem data para ir a plenário.
Por Alan Rios
Fonte:https://www.metropoles.com/
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