Depois de décadas de investimentos na compra de equipamentos, governantes começam a entender que mudanças necessárias para barrar a insegurança dos cidadãos estão em questões que nem sempre dependem de dinheiro
Viaturas e equipamentos novos são necessários, mas não suficientes. Solução para acabar com a insegurança está em mudar a estrutura do sistema de segurança pública brasileiro, que é altamente deficitário | Foto: Reprodução
Marcos Nunes Carreiro
Há anos existe um mantra que é repetido no Brasil quando o assunto são políticas públicas: faltam investimentos. A falta de investimento é, realmente, um fator relevante, sobretudo em áreas como saúde, educação e segurança pública, pois são setores que ainda exigem infraestrutura e um número expressivo de pessoas para atender às demandas de um país continental como o nosso.Marcos Nunes Carreiro
Na questão da segurança pública, por exemplo, há décadas governadores reclamam e solicitam ao governo federal que ajude os estados, afinal a União é que detém 70% de toda a arrecadação do País. O atual governo parece agora querer atender ao apelo e aceitou dialogar com os estados, Judiciário e Legislativo para ver o que é possível ser feito. Além disso, anunciou investimentos e a realização de um plano voltado para o setor.
Porém, o mais interessante de todas as conversas é perceber que, embora a maioria dos governadores e secretários de segurança pública do país ainda esteja com a atenção voltada para os recursos, outras soluções têm sido apontadas para que os cidadãos possam ter segurança.
A verdade é que o modelo atual de se pensar segurança pública está equivocado. Equipar os policiais, aumentar o número de efetivos e comprar mais viaturas é necessário, mas não é suficiente. Se continuar assim, os estados vão sempre precisar de mais policiais até chegarmos ao ponto em que metade da população não será suficiente para policiar a outra metade.
E os próprios estados já admitem isso, tanto que se reuniram para dialogar com o governo federal em busca de soluções. José Eliton, secretário de segurança pública e líder desse movimento, por exemplo, diz: “Mudanças conjunturais são necessárias e já estão sendo feitas, mas é preciso que mudanças estruturais sejam realizadas. Não adianta mais veículos novos, armas e homens porque não vai resolver. Se não houver uma mudança, seja nas leis penal, processual penal e de execução penal, seja na gestão das unidades prisionais ou no modelo de operação das diversas forças policiais, não vamos ter a paz que todos esperam no Brasil”.
O que José Eliton quer dizer é que as polícias, a cada dia que passa, atuam mais, prendem mais, apreendem drogas e armas, mas a insegurança continua crescendo. E continuará. Tomemos o caso das penitenciárias como exemplo. São necessárias mais penitenciárias? São. Contudo, o entendimento parece ir no sentido de que é preciso, primeiro, mudar a forma de gerir as já existentes, criando formas para melhorar a relação entre presidiários e a administração do local onde eles são colocados.
Na semana passada, durante o lançamento do Plano Nacional de Segurança Pública, ocorrido em Goiânia, a ministra e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, apresentou dados interessantes a respeito das penitenciárias brasileiras. Segundo ela, um preso no Brasil custa por mês, em média, R$ 2,4 mil, enquanto um estudante de ensino médio custa, por ano, R$ 2,2 mil.
Ela classifica essa relação como escandalosa e tem razão, visto que, mesmo custando tão caro ao Estado, um presidiário sobrevive em condições desumanas dentro dos presídios brasileiros. Logo, algo está errado. O quadro apresentado pela ministra nos diz o seguinte: nem todo o investimento do mundo será suficiente para suprir essa demanda, se a gestão desses recursos continuar sendo a mesma.
A desumanização dos presidiários brasileiros se dá, sobretudo, devido à superlotação, fator que, por sua vez, serve de justificava para que muitos juízes não determinem a prisão de quem deveria estar preso. Enquanto isso, os presídios mantêm encarcerados muitos presos que já deveriam estar de volta às ruas, por já ter cumprido suas penas. A verdade, então, é que o sistema prisional é esquizofrênico. E o tratamento da doença? Bastante simples: o cumprimento das leis já existentes.
Durante o encontro, comandado pelo ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, não foi difícil ouvir outro mantra: o de que o Brasil precisa de leis mais rígidas. Este segundo mantra, como o primeiro, também tem seus pontos de verdade. Porém, também compartilha de sua fraqueza: não adianta enrijecer as leis, se o sistema continuar funcionando da forma atual.
Três falas da ministra Cármen Lúcia ilustram possíveis mudanças estruturais que, demandando investimentos bem menores dos que os necessários para construir um presídio novo, por exemplo, poderiam melhorar a questão de maneira qualitativa. A primeira é justamente a respeito das leis:
“Quando o preso já cumpriu seu débito com a sociedade e progride para o semiaberto, como determina a lei de Execuções Penais, a documentação é entregue à Secretaria de Segurança, que a remete ao Tribunal de Justiça, que por sua vez encaminha para o juiz da execução penal. Este preso, desde a hora que o documento saiu da penitenciária, já está livre juridicamente, embora ainda esteja preso fisicamente. A verdade é que, como o documento está em trânsito, essa pessoa fica no limbo. Já vi casos em que o juiz de outro município decreta a prisão da pessoa por outro crime e, como ela não foi encontrada, pois está juridicamente livre, mas fisicamente presa, ela é declarada como foragida. Em alguns estados, esse trânsito do documento chega a demorar 14 meses. É um escândalo”.
Em outras palavras, uma pessoa livre ocupa uma vaga durante um ano e dois meses por causa de um sistema burocrático. Por que não fazer transitar a documentação de maneira eletrônica? Tal medida não apenas reduziria o tempo, como também os custos. Levando em consideração que o número de presidiários em situação assim não deve ser pequeno, como é de se imaginar, a conclusão é óbvia: a simples redução da burocracia poderia diminuir significativamente a superlotação das carceragens do País.
E é possível ver essa falha de comunicação em outras áreas do sistema. A ministra conta que, neste ano, cinco mortes foram causadas pela falta de diálogo entre o Judiciário, que cuida do preso, e o Executivo, responsável pelo presídio e pela operação policial. “Ocorreu, neste ano, em cinco ocasiões: o sujeito foi preso por agredir uma mulher. Na audiência de custódia, o juiz liberou e não comunicou ao delegado. Assim, o agressor voltou para casa e, com mais raiva, matou a mulher. Somos um Estado só e precisamos andar juntos. Somente juntos, União, estados e municípios, Executivo, Legislativo e Judiciário, é que conseguiremos dar uma resposta eficaz para o problema”.
Isso prova que, na maioria das vezes, a progressão de pena estipulada por lei, não é cumprida devido à burocracia e às falhas de comunicação entre os Poderes. A consequência disso pode ser vista nos dados oficiais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ): em 2015, foram registradas 58.942 mortes violentas intencionais no Brasil, isto é, a cada nove minutos uma pessoa é morta de maneira violenta no Brasil. “O Brasil registrou, portanto, mais mortes violentas intencionais do que a guerra da Síria no mesmo período”, relata a ministra.
De fato, segundo os números, a fala da ministra está correta. Os dados do CNJ se referem ao período que vai de março de 2011 a dezembro de 2015. Entre esses meses, a guerra da Síria registrou 256.124 mortes, enquanto o Brasil registrou 278.839. A segunda conclusão, de acordo com a ministra: “Estamos em estado de guerra, o que é gravíssimo, pois temos constituição em vigor e instituições funcionando. Então, fala-se muito sobre a mudança de leis, mas eu me dou por satisfeita se forem cumpridas a Constituição Federal e a lei de Execuções Penais, junto com as legislações estaduais. Se isso ocorrer, o Brasil já dará um grande salto nessa área”.
Isso nos leva ao terceiro e último ponto desta discussão iniciada pela ministra Cármen Lúcia: a dificuldade do CNJ em conseguir dados confiáveis. Segundo ela, que também preside o órgão, o CNJ ainda tenta detectar, com detalhes, quantos presos provisórios existem atualmente e em quais penitenciárias. Somente assim será possível descobrir como fazer o julgamento dessas pessoas e dar cumprimento a quem tem pena a ser executada. Isso porque não há confiabilidade nos números disponibilizados pelas secretarias estaduais e pelo ministério da Justiça.
Cármen Lúcia conta: “Já ouvi secretário de segurança me dizer que eu precisava tê-lo avisado antes de ir fazer uma inspeção no presídio para que ele pudesse arrumar o lugar primeiro. Como arrumar? Se não estabelecermos a verdade das coisas, como vamos resolver?”. A mudança, nesse caso, não demanda gastos, pois é cultural e depende única e exclusivamente da vontade dos governos estaduais de fazer acontecer.
Medidas
É possível perceber, portanto, que é possível avançar mesmo com poucos investimentos. Do lado do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dá sinais de movimento para solucionar parte dos problemas. No dia 24 de outubro, em reunião entre a ministra Cármen Lúcia, o presidente Michel Temer (PMDB) e vários representantes do Legislativo e de segmentos civis, foi firmada uma parceria técnica para que os dados do Ministério da Justiça sejam compartilhados com o CNJ. Entre eles, o cadastro biométrico eleitoral feito por quase 50 milhões de brasileiros. A ideia é ter a definição de quem são e onde estão as pessoas, além de ter um cadastro dos presos.
É possível perceber, portanto, que é possível avançar mesmo com poucos investimentos. Do lado do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dá sinais de movimento para solucionar parte dos problemas. No dia 24 de outubro, em reunião entre a ministra Cármen Lúcia, o presidente Michel Temer (PMDB) e vários representantes do Legislativo e de segmentos civis, foi firmada uma parceria técnica para que os dados do Ministério da Justiça sejam compartilhados com o CNJ. Entre eles, o cadastro biométrico eleitoral feito por quase 50 milhões de brasileiros. A ideia é ter a definição de quem são e onde estão as pessoas, além de ter um cadastro dos presos.
Do lado do Executivo também há sinais de movimento. O governo federal aceitou conversar com os governos estaduais, representados pelos secretários de segurança pública e já começa a mostrar disposição em colocar em prática algumas medidas em prol do tema, entre elas o cumprimento da determinação dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ainda em 2014, para descontigenciar o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), que conta hoje com R$ 2,9 bilhões — o fundo foi contingenciado para que o País alcançasse superávit primário. O ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, informou que o governo já está cuidando disso, algo que deve acontecer ainda neste ano.
Outra medida trata do Plano Nacional de Segurança Pública, apresentado em Goiânia no dia 10 de novembro pelo ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, três pontos merecem mais atenção e, por isso, serão o foco da atuação: redução do número de homicídios e da violência contra a mulher; racionalização do sistema penitenciário; e proteção às fronteiras.
Numa análise superficial, o Plano Nacional de Segurança Pública parece — ressalte-se: parece — se atentar às questões estruturais apontadas até aqui, mas também não deixa de olhar para as questões conjunturais, sobretudo as de curto prazo. “Não dá para pensar no macro sem dar o mínimo de segurança aos policiais”, diz o ministro. Nesse sentido, equipamentos, legado da Copa do Mundo e das Olimpíadas, devem ser enviados aos estados até o fim do ano, assim como R$ 1,2 bilhão liberado pelo governo federal para os estados.
No médio prazo, o ministério prevê o envio de scanners, raios-x, bloqueadores de celular e reformas; no longo, a construção de penitenciárias e locais de regime semiaberto. O que passa a ser estudado, agora, é uma forma de se construir penitenciárias de maneira mais ágil, visto que, da assinatura do convênio até a entrega das chaves da penitenciária, o prazo médio no Brasil é de seis anos.
Logo, é preciso pensar em um modelo que agilize o processo de construção e também de funcionamento, outro grande problema, devido à falta de pessoal. Segundo Alexandre de Moraes, o Estado do Sergipe conseguiu fazer duas penitenciárias por meio de Parceria Público-Privada (PPP), algo que pode ser adotado em outros estados. A verba inicial para essa construção deve sair do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).
Parte do plano apresentado pelo ministro consiste em criar um sistema de inteligência junto com um sistema de governança, que depende de um levantamento a ser feito nos estados acerca da situação da violência. Todas as ações devem começar nas capitais e depois serem expandidas para o restante dos estados.
Nas palavras do ministro Alexandre de Moraes, a ideia é desenvolver uma cerca eletrônica de videomonitoramento. Inicialmente, pretende-se, por exemplo, usar os micro-ônibus de videomonitoramento do programa “Crack, é possível vencer” como bases móveis de informação integrada, visto que são equipados com sistema de comunicação e com câmeras.
O projeto é fazer com que a informação gerada pelos veículos, que já funcionam como uma espécie de centro de comando e controle, seja agregada em uma sede e ajude a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) no mapeamento que começa a ser feito a partir de agora — mapeamento esse que deverá contar com a ajuda das polícias rodoviárias federais e estaduais.
O projeto é fazer com que a informação gerada pelos veículos, que já funcionam como uma espécie de centro de comando e controle, seja agregada em uma sede e ajude a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) no mapeamento que começa a ser feito a partir de agora — mapeamento esse que deverá contar com a ajuda das polícias rodoviárias federais e estaduais.
Essa parte de inteligência policial será agregada a uma “equipe mínima” que deverá ser enviada aos estados para ajudar na resolução de homicídios. Isso porque a prioridade do plano será o combate aos homicídios e à violência contra as mulheres. Em relação ao trabalho de perícia, o ministro relata que é impossível fazer um laboratório em cada estado, mas que Brasília pode ajudar nisso. Informações dão conta de que o laboratório da Polícia Federal será reforçado para ajudar nessa questão.
Além do trabalho de inteligência, a previsão é que haja também um forte trabalho operacional por parte da Força Nacional, que hoje conta cerca de mil homens e que passará a ter aproximadamente 7 mil a partir de janeiro. Uma das formas encontradas para aumentar o número de efetivos foi agregar policiais e bombeiros da reserva ao contingente.
A medida é semelhante à tentada em Goiás com o Serviço de Interesse Militar Voluntário Especial (Simve), que era composto por egressos das Forças Armadas. Contudo, em Goiás, a iniciativa foi considerada inconstitucional pelo STF, visto que ainda não há legislação sobre a questão. No caso federal, o Senado aprovou, no início de novembro, medida provisória do presidente Michel Temer (PMDB) que autoriza a questão.
O Congresso Nacional já discute a possibilidade de utilizar militares temporários das Forças Armadas, como propunha o Simve, na Força Nacional. Alexandre de Moraes admite que militares temporários das forças armadas podem ser utilizados na Força Nacional: “Retiramos esse ponto da medida provisória para que ela fosse aprovada, mas agora a questão é pacífica e vamos apresentar nova medida para colocar isso novamente em pauta”.
O centro do plano, por assim dizer, consiste no fortalecimento da Força Nacional, que deverá ter um papel mais amplo a partir de agora, não fazendo apenas policiamento territorial, mas também cumprindo mandados de prisão de “grandes traficantes”, por exemplo, e também apreensão de drogas e armas.
Porém, a Força Nacional não atuará sozinha nos estados. O ministro fala em “operações em conjunto”. “Para cada dois homens da Força Nacional, o governo estadual pode dar, por exemplo, um retorno. Entra a questão do regime de horas extras”, relata. Um questionamento dos governadores é de onde virão os recursos para pagar as horas extras. A resposta: “O governo federal não pode pagar pessoal, mas pode compensar em outras áreas”.
Ações preventivas
O plano também prevê, em todas as capitais, fazer programas em convênio com os municípios para a realização de cursos. Segundo o ministro, serão cursos mediadores e pacificadores, junto com a Polícia Militar, para aproximá-la da população e, ao mesmo tempo, envolver os presos que estiverem em liberdade provisória. A ideia é criar também parcerias com o Judiciário para que juízes não soltem ninguém por soltar, mas que vinculem essa pessoa a um programa ou trabalho.
O plano também prevê, em todas as capitais, fazer programas em convênio com os municípios para a realização de cursos. Segundo o ministro, serão cursos mediadores e pacificadores, junto com a Polícia Militar, para aproximá-la da população e, ao mesmo tempo, envolver os presos que estiverem em liberdade provisória. A ideia é criar também parcerias com o Judiciário para que juízes não soltem ninguém por soltar, mas que vinculem essa pessoa a um programa ou trabalho.
Fronteiras
Um problema de décadas, a questão das fronteiras é tomada como prioridade pelo governo federal, pelo menos no discurso. Segundo o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, reuniões estão sendo feitas com países vizinhos, como Uruguai, Paraguai, Argentina, Bolívia, Peru e Chile. “As reuniões são justamente para tratar de operações transnacionais de fronteira e das questões de maior controle nos países exportadores de drogas e armas”, afirma. O Brasil tem 17 mil quilômetros de fronteiras, dos quais, 6,2 mil quilômetros são formadas por rios.
Um problema de décadas, a questão das fronteiras é tomada como prioridade pelo governo federal, pelo menos no discurso. Segundo o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, reuniões estão sendo feitas com países vizinhos, como Uruguai, Paraguai, Argentina, Bolívia, Peru e Chile. “As reuniões são justamente para tratar de operações transnacionais de fronteira e das questões de maior controle nos países exportadores de drogas e armas”, afirma. O Brasil tem 17 mil quilômetros de fronteiras, dos quais, 6,2 mil quilômetros são formadas por rios.
Fonte: Jornal Opção
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