domingo, 29 de setembro de 2013

POR QUE O PMDB PERDEU QUATRO ELEIÇÕES EM GOIÁS

PMDB
De tropeço em tropeço constrói-se uma série de derrotas
Seguidas decisões equivocadas ajudam a explicar a coleção de reveses desde 1998
Fernando Leite/Jornal Opção
Iris Rezende e Maguito Vilela: cada um dos dois líderes maiores do PMDB tem no
currículo duas derrotas para a base liderada pelo tucano Marconi Perillo
Cezar Santos
Está certo que nem sempre pessoas e instituições acertam nas decisões que precisam tomar. A possibilidade de errar aumenta na medida mesmo em que é preciso fazer escolhas em situação de pressão ou quando não se tem um estudo, uma previsão de resultados. Mas o que aconteceu ao PMDB goiano nas últimas quatro eleições para o governo pode ser colocado no rol de abuso do direito de errar.

Em 1998, após quatro vitórias em sequência — 1982, com Iris Rezende; 1986, com Henrique Santillo; 1990, com Iris de novo; e em 1994, com Maguito Vilela —, o PMDB conheceu o gosto amargo da derrota, quando Iris Rezen­de perdeu a eleição para o jovem (35 anos) deputado federal Marco­ni Perillo, do PSDB, partido formado anos antes por peemedebistas descontentes com os rumos da sigla.

O PMDB conheceu o gosto amargo da derrota em 1998 e parece ter gostado. De lá pra cá, em sequência, foram mais três reveses seguidos: 2002, Maguito perde para Marconi; 2006, Maguito perde para Alcides Rodrigues, do PP, da coalisão tucana; e em 2010, Iris volta a perder para Marconi.

É evidente que em tal sequência de derrotas, o PMDB tomou decisões equivocadas, independentemente da força do adversário. Excetuando 2002, quando Marconi levou no primeiro turno, nas outras três derrotas o pleito foi ao segundo turno, ou seja, quase...

A seguir, recordamos os erros mais aparentes, não descartando que outros equívocos podem ter ocorrido. Numa campanha eleitoral — o equivalente “civilizado” mais próximo que se tem de uma guerra —, geralmente é um conjunto de erros, grandes e pequenos, que leva à derrota, que nem sempre é determinada apenas pela superioridade do adversário. 
1998
Foto: Fernando Leite
O PMDB estava em cima da carne seca, como se diz, Maguito Vilela tinha saído do governo com uma das maiores aprovações no Brasil. Era o candidato natural à reeleição. Mas o partido optou por Iris Rezende — e é bom registrar que o próprio Maguito sempre dissera que seu projeto era disputar o Senado —, que vinha de cargos importantes no governo federal e  chegou a 74% da preferência nas intenções de voto.
 
A oposição, aturdida, sem saber o que fazer, sem ao menos conseguir escolher um nome que pudesse disputar a eleição em condições viáveis. O PSDB, por intermédio de Sérgio Motta (a eminência parda do então presidente Fernando Henrique Cardoso), se ofereceu a Iris para indicar o vice ou o candidato ao Senado. Consta que Iris queria o acordo, mas o irmão, Otoniel  Machado, guindado ao posto de negociador político do partido, recusou a oferta, oferecendo em troca uma secretária.
 
Como uma secretaria era muito pouco mesmo para uma oposição combalida, ela se mexeu como pôde. O deputado federal Roberto Balestra, inicialmente o candidato, saiu de campo e entrou Marconi Perillo, no auge de seus 35 anos. Aí a história é por demais conhecida. Depois de uma campanha memorável, em que os marqueteiros e o staff oposicionista desconstruíram os 16 anos do PMDB e, pior, o próprio mito Iris Rezende, a eleição foi para o segundo turno. 
E não deu outra. Vitória de Marconi Perillo, destronando a era PMDB e abrindo um novo ciclo de poder em Goiás, o marconismo. Se o PMDB tivesse aceitado a oferta de Serjão Motta a história teria sido outra.
2002
 
 
O PMDB, louco para voltar ao lugar que sempre fora seu, o Palácio das Esmeraldas, acreditava que Marconi, naturalmente candidato à reeleição, já não seria o fator surpresa, a novidade. Além disso, Iris Rezende na Prefeitura de Goiânia garantia uma poderosa máquina a serviço do partido, . Foi escalado o então senador Maguito Vilela, à frente nas pesquisas, para enfrentar o tucano. O PT, de pouca penetração no interior, mas com relativa presença na Capital, quis compor a coligação, indicando o vice. O PT liderava uma chamada Frente Alternativa, com PSB, PCdoB e PL e poderia agregar força para a coligação peemedebista.
 
Ocorre que peemedebistas se engalfinhavam numa guerra intestina pela vice. Queiram o lugar Frederico Jayme (que tinha se filiado depois de deixar o Tribunal de Contas do Estado-TCE), os deputados Marcelo Melo e Luiz Bittencourt, o ex-senador Mauro Miranda e até um empresário sem nenhuma vida política. Tantos nomes refletiam a divisão do partido em grupos iristas e maguitistas. O partido se desgastou na pré-campanha e o vice acabou sendo o vereador por Goiânia Ruy Rocha, um completo desconhecido dos goianos.
 
O PMDB novamente não aceitou a oferta do PT, que então lançou Marina Sant’anna candidata ao governo numa coligação que juntou PT, PCdoB, PV, PMN, PTdoB, PTN e o PCB. Marina recebeu 385.524 votos (15% do total), enquanto que na capital recebeu 25% dos votos. É inquestionável que Maguito perdeu muitos votos para a coligação do PT. O resultado: vitória de Marconi já primeiro turno com 51,2% dos votos, contra 32,8% do peemedebista.
 
2006
 
 
Era agora, não tinha como o PMDB perder para Alcides Rodrigues (PP), vice de Marconi que assumira o governo para o titular sair candidato ao Senado. Nova­mente Maguito Vilela foi o candidato esco­lhido. Novamente, o drama da vice. O PMDB insistia na chapa pura, o mesmo erro das campanhas anteriores. Não quis a aliança com o PT, que até tinha definido o nome, Rubens Otoni, uma forma de balancear a liderança marconista em Anápolis.
 
Para vice foi a deputado estadual Onaide Santillo, uma vez que a legenda considerou que o maior erro na eleição anterior fora não escolher um vice da cidade, onde Marconi quase “fechou” as urnas. Pouco adiantou, mesmo em Aná­polis, Alcides, com o apoio de Marconi, foi disparadamente o mais votado.
 
Mesmo com todos os problemas, o PMDB liderou as pesquisas até três dias antes da eleição. E ao abrir as urnas, o governador-candidato teve 48,22% dos votos válidos, diante de 41,17% de Maguito. Para o segundo turno, o PMDB sabia que tinha de consertar os muitos erros cometidos na primeira fase da campanha, principalmente no marketing político. Além disso, a campanha estava sem liderança efetiva, e até se cogitou que Iris se afastasse da prefeitura para assumir o comando.
 
O problema maior para o PMDB, no entanto, é que Marconi, eleito senador com uma votação estrondosa (mais de 2 milhões de votos), dedicou-se com toda a energia à campanha de Alcides Rodrigues; eram praticamente dois candidatos ao governo contra um em termos de mobilidade no segundo turno. O resultado não poderia ser diferente: Alcides Rodrigues venceu o segundo turno com 1.508.024 votos (57,14%), contra 1.131.106 votos de Maguito Vilella.
 
Nessa eleição o PT não lançou candidatura própria, optando por apoiar o deputado federal Barbosa Neto (PSB), que foi terceiro colocado. 
 
2010
 
Essa está bem fresca na ria dos goianos. Iris Rezende saiu da Prefeitura de Goiânia, deixando o cargo para o vice Paulo Garcia, para disputar o governo. Com isso, sacramentava a aliança com o PT, feita nas duas eleições para a prefeitura, também ao governo. O erro da chapa pura não seria repetido.
 
Sem nome de maior consistência, o PT só indicou nome para uma das vagas ao Senado, o ex-prefeito de Goiânia Pedro Wilson. A vice foi do peemedebista Marcelo Melo e a outra vaga de Senado do ex-prefeito de Catalão Adib Elias.
 
No jogo das alianças, PMDB e DEM entabularam um acordo. Demóstenes Torres e Ronaldo Caiado conversaram com Iris. Talvez tenha faltado maior empenho do peemedebista para selar esse acordo, que teria sido importantíssimo e talvez mudasse a história da campanha. Demóstenes e Caiado voltam para a base marconista, indicando o vice de Marconi, José Eliton.
 
É bom registar, Demóstenes foi fundamental para o crescimento de Marconi na campanha, principalmente na Grande Goiânia (houve urna que teve 98% dos votos para o democrata). Em certo sentido, Demóstenes “puxou” Marconi.
 
O fato é que PMDB e PT fecharam uma aliança com apenas mais um partido, o PCdoB, enquanto a base governista fez uma coligação com nada menos que 11 legendas: PSDB, PRB, PTB, PSL, PPS, DEM, PRTB, PHS, PMN, PTC e PTdoB. O resultado, no primeiro turno: Marconi, 1.400.227 votos (46,33%); Iris, 1.099.552 (36,38%); no segundo turno: Marconi, 1.551.132 votos (52,99%); Iris, 1.376.188 votos (47,01%). Note-se que o porcentual de Iris do primeiro para o segundo turno cresceu bem mais que o de Marconi, ou seja, se a campanha durasse um pouco mais, o resultado poderia ter sido outro. 
 
E agora? Os erros do PMDB vão prevalecer sobre os acertos? A aliança com o PT vai permanecer? O partido vai conseguir se pacificar internamente, visto que hoje está dividido entre iristas e fribozistas? A coligação liderada pelo partido conseguirá formular uma propostas de governo alternativa ao que Marconi e seus aliados estão oferecendo?
 
Importante lembrar que nas quatro derrotas, o PMDB só teve dois candidatos, Iris e Maguito, cada um com dois reveses. Será que o partido vai insistir em um deles?
 
O PMDB vai conseguir barrar Marconi no rumo de completar 16 anos de poder (ou 20, se considerar os 4 de Alcides Rodrigues, que rompeu com o tucano)?
 
Essas perguntas e muitas outras mais cercam o PMDB. Se o partido conseguir respondê-las adequadamente pode ser que consiga virar esse jogo e não colecione a quinta derrota seguida para Marconi Perillo. 
 
Partido foi importante na redemocratização
 
Recuemos um pouco no tempo, para melhor situar o importante papel do PMDB na política brasileira. Em dezembro de 1979, o governo militar — já enfraquecido pelo clamor da sociedade por democracia — modificou a legislação partidária e eleitoral e restabeleceu o pluripartidarismo. 
 
A Aliança Renovadora Nacional (Arena) transformou-se no Partido Democrata Social (PDS), e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) acrescentou a palavra partido à sigla, tornando-se o PMDB. Outras siglas foram criadas, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT), de esquerda; o Partido Popular (PP) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de centro-direita. Mas nem todos puderam ver a luz da legalidade: o Partido Comunista do Brasil (PCdoB)e outros continuaram proibidos.
 
Com o agravamento da crise econômica, inflação e recessão, os partidos de oposição ao regime cresceram. Da mesma forma fortaleceram-se os sindicatos e as entidades de classe. Nesse cenário aconteceram as primeiras eleições diretas para os governos estaduais. As eleições gerais de 1982, para governador, prefeito, senador (um por Estado), deputados federais e estaduais e vereador, foram realizadas em 15 de novembro.
 
O resultado foi favorável à oposição, na soma dos partidos contrários ao regime. O PDS, que apoiava o regime militar, venceu em 12 Estados, a maioria no Nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará, Ma­ranhão, Mato Grosso, Paraíba, Per­nam­buco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Sergipe.
 
O PMDB, principal partido de oposição ao regime, venceu em dez estados, incluindo os de maior importância e população, como São Paulo e Minas Gerais, além de Acre, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará e Paraná. O PDT, de oposição, levou a melhor no Estado do Rio de Janeiro.
 
Para senador, o governista PDS ganhou nos Estados em que venceu para governador, e elegeu os três senadores representantes do novo Estado de Rondônia, totalizando 15 representantes. O PMDB elegeu seus representantes nos dez Estados em que venceu para governador. O PDT fez seu único senador no Rio de Janeiro.
 
Para deputado federal, o PDS elegeu 235 representantes, constituindo a maior bancada da Câmara Federal. O PMDB elegeu 200 federais, fazendo a segunda maior bancada. O PDT elegeu 23 deputados, a maioria no Rio de Janeiro. O PTB fez 13 deputados e o  PT, 8.
 
O governista PDS ficou com a maior bancada da Câmara, mas não tinha a maioria, pois contava com 49% das vagas, o que impediu o partido de alcançar a maioria. Os demais partidos juntos, formando o bloco oposicionista, conquistaram os 51% restantes das vagas, ou seja, a maioria absoluta da Câmara Federal.
 
Os analistas interpretaram que em termos gerais, mesmo com o PDS tendo ganho na maioria dos Estados, e tivesse feito a maior bancada na Câmara dos Deputados e no Senado, o partido foi o maior derrotado nas eleições, pois perdeu os governos dos Estados mais importantes da Federação. Além disso, sua bancada na Câmara Federal, embora fosse a maior, não era a maioria absoluta.
 
A vitória absoluta foi da oposição (PMDB, PDT, PT e PTB), que venceram nos principais Estados, e conseguiram a maioria absoluta na Câmara Federal, embora fosse minoria no Senado.
 
Feito este breve histórico (com a ajuda dos arquivos virtuais), voltemos ao Estado de Goiás. Em 1982, a população goiana elegeu governador o peemedebista Iris Rezende Machado. Foi justamente Iris, que tivera o mandato cassado pelo regime militar em 1969, o escolhido pelos goianos para liderar a nova fase política e administrativa de Goiás. Foi o voto do protesto contra o regime autoritário e de esperança por dias melhores. Iris, que começou a fazer política ainda como estudante, tendo sido vereador e prefeito de Goiânia e deputado estadual.
 
Iris ganhou a eleição contra o candidato do regime militar, Otávio Lage, do PDS. Era a primeira eleição direta para o governo em duas décadas de mandatos escolhidos pelo regime Militar. Otávio Lage era o candidato da situação, com apoio do então governador Ary Valadão, também do PDS. O PMDB venceria as outras três eleições seguidas. Até 1998, quando... 
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário