CAMPANHA DE UTILIDADE PÚBLICA--INFRAESTRUTURA

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sábado, 8 de janeiro de 2022

1.760 brasilienses privados de liberdade buscam sonho do ensino superior pelo Enem

Foto:Agência Brasil
O Enem PPL traz esperança para pessoas que buscam uma vaga nas universidades públicas ou privadas do Brasil Evellyn Luchetta e Geovanna Bispo redacao@grupojbr.com Nos próximos dois domingos (9 e 16 de janeiro), 54.231 brasileiros concorrem a uma vaga no ensino superior pelo Exame Nacional do Ensino Médio para pessoas privadas de liberdade ou sob medida socioeducativa (ENEM PPL). As provas, que tem o mesmo nível de dificuldade que as provas para o público geral, ocorrem em 1.435 locais espalhados pelo Brasil. No Distrito Federal, 1.760 pessoas presas ou em medida socioeducativa estão inscritas para o exame que pode concretizar sonhos e dar novas expectativas. Para o estudante Carlos*, por exemplo, que cumpre medida socioeducativa, o sonho é fazer o curso de engenharia de software. “Isso me incentiva a ser uma pessoa de verdade na vida, aquele que eu realmente sou”. Ele quer ter uma vida profissional honesta e que mude o rumo de sua história. De acordo com a Secretaria de Justiça, desde 2016, apenas 19 jovens e adolescentes privados de liberdade conseguiram ingressar no ensino superior utilizando o exame. Como solução às expectativas do estudante, em 2010, foi criado o Exame Nacional do Ensino Médio para adultos privados de liberdade e jovens sob medida socioeducativa, que inclui privação de liberdade ou, simplesmente: o Enem PPL. Como um mecanismo único, alternativo ou complementar para o ingresso ao ensino superior, o exame, que é uma parceria entre o Ministério da Educação e o da Justiça e Segurança Pública, traz esperança para pessoas que buscam uma vaga nas universidades públicas ou privadas do Brasil. Com histórias parecidas, existem outros 117.206 jovens e adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade em todo o Brasil. Os dados são do Ministério do Desenvolvimento Social, divulgados em 2018, último dado divulgado. Concorrência No Distrito Federal, assim como no resto do Brasil, a menor parte desses jovens em medida socioeducativa, por diferentes motivos, têm acesso ao ensino superior. Segundo a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejus), em 2021, dos 232 inscritos para realizar a prova, apenas três estão aptos. Atualmente, existem cerca de 500 jovens em cumprimento de medida de internação com idades entre 12 a 21 anos no DF. Mesmo com as dificuldades, Carlos pretende ser o próximo dessa pequena lista. Ele considera que, através da educação, a recuperação evoluiu. “Eu percebi que isso é algo necessário nas nossas vidas e que conhecimento é tudo. Sem conhecimento, a gente não é nada. Foi isso que me fez acordar e pensar nisso que eu tinha perdido, mas agora estou recuperando”, entusiasma-se. Para Gilberto*, um professor esperançoso que deu aula por três anos em centros de medida socioeducativa, a escolarização que eles recebem não é significativa o suficiente para surgir a vontade de fazer o Enem. “A ausência do poder público é o que leva a essas mazelas. O PPL é um avanço, mas o convívio dos centros não tem o que é necessário para fazer ele funcionar. Nós precisamos de políticas públicas que mudem isso”, afirma. Os motivos para o número de jovens aptos ser tão baixo, além da possibilidade dos alunos poderem estar fora da idade de realização do exame, vão desde problemas de divulgação da prova à falta de democratização da educação e à alta rotatividade de alunos. Dentro dos centros, os alunos estão matriculados no ensino médio regular, que é exigido ao fazer a inscrição para o Enem. O ensino, no entanto, não se assemelha em nada com o da escola tradicional. “O dia a dia é bem atípico, bem diferente do regular, porque o que acontece é que existe uma rotatividade muito grande. Quando o estudante está no centro, é muito rotacional”, pondera Gilberto. Longe das “escolas da rua” Para a professora de sociologia Bárbara*, que também deu aula em centros socioeducativos, o ensino também é completamente diferente do regular. Ela relembra que, dentro dos centros, as escolas de fora eram chamadas de ‘escolas da rua’. “Funcionava como uma ‘escola da rua’, mas o tempo de aula é reduzido e a forma de avaliação do aluno é completamente diferente”. Ela considera que a principal diferença, na sua vivência, era a forma de expor o conhecimento. “Nós dávamos aulas dentro da capacidade deles, não tinha como eu dar aula para esse aluno como eu dava aula para o aluno da escola regular”, relembra. Segundo o professor Gilberto, o número baixo também pode ser explicado pois o Enem é apenas a chegada, mas não existe um caminho. “O ENEM PPL é inclusivo, é um avanço e é um bom projeto. Mas você dá o acesso e não fornece o caminho, não viabiliza a chegada”. O professor relembra, com muito pesar, os anos de docência no centro. Para ele, a vida dos alunos ali é conturbada. “Existem sim alunos para fazer o Enem, alunos regulares, mas não existe nem o interesse, porque a jornada escolar deles dentro do centro é muito dolorosa, complexa e conturbada”, lamenta. Para Bárbara, a experiência foi semelhante. Ela explica que os alunos chegavam com muita defasagem até a sala de aula. “Como ele chegou até aqui?”, esse era o pensamento que passava em sua mente, segundo a educadora. Ela explica que tratar do Enem com esses alunos, mesmo com o calendário pedagógico em dia, exige uma maturidade que não foi construída dentro deles. “Eu tinha uma turma de 3° ano que tinha cerca de sete alunos em uma sala, cinco em outra, onde, desses, pelo menos dois ou três tinham uma defasagem até de alfabetização”. Ela acrescenta que não existia interesse cultivado nos alunos para que eles chegassem a realizar o Enem. “Eles falavam: ‘professora, faculdade não é para mim’, ‘eu vou sair daqui e vou voltar para o mundo do crime’ ou ‘isso não vai me levar a nada’”, recorda. Divulgação Outro motivo para o número baixo de inscritos é a falta de divulgação, já que, quem deveria falar sobre o exame para os alunos e fazer as inscrições, são as próprias instituições. O que deveria semear a oportunidade, no entanto, se torna um dos fatores que fazem com que o número de inscritos seja reduzido. A pedagoga e pesquisadora Adriana Matos afirma que não são todas as unidades que falam sobre a prova com os jovens ou que ao menos fazem a matrícula. “Esses são casos raríssimos. Eu, por exemplo, não conheço ninguém na unidade que eu pesquisei que tenha realizado o Enem PPL.” Adriana realiza pesquisas em uma unidade do Distrito Federal desde 2013. A professora Bárbara relembra que, durante os dois anos em que trabalhou nos centros, a prova foi citada apenas uma vez, mas que não houve informações detalhadas sobre o processo. “Com franqueza, na unidade em que eu trabalhei com ensino médio, essa informação chegava já em cima da hora. No primeiro ano, eu não me recordo de terem falado sobre, mas no segundo eles comentaram, dentro de uma reunião pedagógica, que estavam abertas as inscrições.” Como prova da displicência das unidades com o PPL, Bárbara conta que, nem nessa ocasião em que a coordenação falou sobre o exame, houve movimentação para preparar os alunos. “Foi pouca conversa, foram poucas informações repassadas. Não existia nenhum preparo para a prova, até porque nós tínhamos recursos limitados”, finaliza. Agente de transformação Matos diz que, além de educativa, o Enem PPL tem uma função social. “A criança e o adolescente são responsabilidades do Estado que deve ter a função social de garantir a educação para todos, independente da sua situação. É importante também trazer essa medida porque é uma forma desse adolescente olhar com uma perspectiva de futuro, olhar uma perspectiva que ele está estudando, mas que ele vai poder sair dali e cursar uma universidade”. É essa perspectiva de futuro que faz com que os olhos de Carlos brilhem. O jovem afirma que tem plena felicidade ao olhar para sua vida fora da internação e dentro de um curso superior. “Hoje eu enxergo a minha vida de forma extremamente positiva. Eu me dediquei e continuo me dedicando para que eu chegue aonde eu quero estar. Quando a gente transforma aquele sonho em um plano de ação e começa a executar acaba que a gente vai ter aquilo.”, ilustra o jovem, orgulhoso pelo caminho que escolheu trilhar. O professor Gilberto afirma que é necessário um planejamento correto para que o projeto possa alcançar mais alunos além dos três que realizarão a prova em 2021 no DF. “Precisa investir na segurança para garantir que esse aluno vá até a escola todos os dias”. Ele explica que, nos centros, a escola vem depois da segurança. “Às vezes, você tá fazendo um bom projeto com o aluno e um inimigo dele é preso e a rixa dele não pode ser realocada em outro centro, então ele é colocado no RDD (regime diferencial disciplinar)”. A RDD, citada pelo profissional, é uma forma de cumprimento de pena em regime fechado, para a proteção do jovem e dos que estão ao seu redor, sendo assim, o acesso à aula fica prejudicado. ”A escola não deveria se preocupar com risco de vida, com nada disso, deveria se preocupar com o ensino, deveria ter segurança para isso, respaldo para essas questões”, opina o professor. Escape Para Bárbara, o escape de todo o estresse para esses alunos, era a sala de aula. “A relação com os alunos é mais estreita do que na escola regular. Nós sabíamos muito da história deles. Muitas vezes eles nos contavam sobre os atos que eles cometiam, era muito importante ter um diálogo aberto e falar sobre a família.”, relembra. Para ela, o desfechos das histórias são quase sempre tristes. “Infelizmente, as unidades de internação no nosso país nem sempre têm um caráter socioeducativo, elas parecem mais uma cadeia do que com um centro de ressocialização”, diz. Para esses alunos, o caminho em direção à mudança é muito conturbado. A estrada tem muito mais pedras do que podemos imaginar. Mesmo que ele consiga passar por todas as adversidades ainda dentro do centro de internação e que saia com a perspectiva de mudança, muitas vezes o contexto social em que o jovem está inserido o puxa de volta para baixo. A lição que fica, depois das conversas que tivemos, é que ainda falta muito investimento estatal e empatia social para que esses internos tenham a mínima chance de saírem, de fato, ressocializados. O final quase nunca é feliz Gilberto comove-se com as histórias que acompanha. Ele exemplifica a vida de um jovem que entrou com muitas desavenças e infrações graves. “Homicídio, assalto, ele tinha uma periculosidade altíssima, era muito importante na facção dele e tinha muitos inimigos. Tentaram assassinar ele três vezes, que eu soube”, disse. O jovem em questão apresentou mudanças depois da convivência em sala de aula e nas atividades dentro do centro. “A gente via a diferença dele, ele foi ficando mais calmo, indo à igreja, não se envolvia em rebeliões, atos violentos, não precisava mais de acompanhamento na saída, o trabalho deu muito certo”, orgulha-se O jovem não chegou a fazer o Enem PPL, mas a educação certamente fez parte do crescimento do interno. Anos depois, Gilberto o encontrou forte e saudável, completamente diferente do que ele se lembrava das aulas de matemática. “Eu quase não o reconheci. Nós conversamos, ele estava casado, trabalhando, queria estudar.” O professor chegou a sugerir que o jovem se mudasse para outra cidade para que não voltasse a ter problemas com a facção da região, mas ele disse que não queria sair. “Anos depois eu encontrei um conhecido dele e perguntei desse aluno. Infelizmente, ele foi executado com tiros na cabeça pela própria facção”, lembra-se com a voz embargada. Segundo Gilberto, essa história se torna tão importante principalmente porque o jovem foi uma exceção aos outros casos, mas ainda assim teve um triste fim. “(Na maioria das vezes), o aluno sai pior do que entra. Se não sai, é morto ou volta ao crime no fim. Ao invés de um centro de educação, vira um centro de execução. O estado é completamente omisso.” Fonte:https://jornaldebrasilia.com.br/

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