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domingo, 12 de dezembro de 2021

Evangélicos serão maioria? Como pensam os crentes

O novo ministro do STF, André Mendonça, foi descrito como “terrivelmente evangélico”, por Bolsonaro | Foto: Reprodução
O Jornal Opção ouviu fiéis, pastores e estudiosos da dinâmica das religiões para compreender por que e como os evangélicos crescem tanto André Mendonça, novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovado pelo Senado na última semana, é o mais recente representante das religiões protestantes a chamar a atenção pública. O presidente da República anunciou que a religião de Mendonça – a Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília – foi um dos critérios utilizados para sua escolha. O momento de expansão vivido pelos evangélicos foi destacado pelo próprio Mendonça em discurso na Igreja Batista Getsêmani, em Minas Gerais. Na ocasião, em maio, ele afirmou: “Creio que esse país vai ser o grande celeiro do povo evangélico no mundo. Eu creio nisso. Meus irmãos e minhas irmãs: em dez anos nós já seremos maioria neste país. Em dez anos. Não é porque é um processo de dominação. É um processo de restauração. É um processo de conversão.” Desde a década de 1990, o número de protestantes no Brasil triplicou. O último levantamento quanto a religiosidade do povo brasileiro, a Pesquisa Datafolha publicada em janeiro do ano passado, aponta que 31% dos habitantes do país são evangélicos. Na ausência do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estátisticas (IBGE) de 2020, é difícil traçar um histórico, mas o censo indicava que 22,2% da população brasileira era evangélica nos anos 2010, 15,4% nos anos 2000, e apenas 9% na década de 1990. As projeções de pesquisadores variam: há aqueles que afirmam que o número de evangélicos no Brasil encontrará um teto próximo a 35% da população, como o britânico sociólogo da religião Paul Freston. Outras projeções, como a do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estimam que em 2036 os evangélicos chegarão a 40,3 % da população, ultrapassando os católicos, que cairão para 39,4%. Isso significa que, em 15 anos, o Brasil poderá se tornar uma nação predominantemente evangélica. Diante do cenário, o Jornal Opção ouviu fiéis, pastores e estudiosos da dinâmica das religiões para compreender por que e como os evangélicos crescem tanto. Ciências sociais Flávio Munhoz Sofiati é doutor em sociologia e coordenador do Núcleo de Estudos de Religião, na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (FCS/UFG). O pesquisador estuda como as religiões predominantes na sociedade perdem membros para crenças emergentes. No Brasil, é principalmente a igreja católica quem perde fiéis para o protestantismo. Entretanto, o cientista social lembra que em outras partes do mundo o oposto acontece: na Coreia do Sul é o catolicismo que cresce em detrimento das religiões tradicionais (Jeungismo, Daesunismo, Cheondoísmo, Taoísmo, Confucionismo e Budismo). “A maioria dos brasileiros nasce em berço católico. Durante a vida adulta, dos 20 aos 75 anos de idade, é quando mais se realiza o trânsito religioso. Muitas pessoas trocam o catolicismo por outra religião via experimentação. Algumas pessoas permanecem no catolicismo com dupla filiação; se consideram católicas mas ocasionalmente frequentam o espiritismo, por exemplo”, diz Flávio Sofiati. A aposta evangélica de participar da política garantiu capacidade de arregimentação maior do que outras religiões, afirma Flávio Sofiati. “Quando comparamos com o catolicismo, que historicamente sempre teve proximidade com o Estado e não precisou desenvolver um sistema para se mobilizar politicamente, percebemos que os evangélicos têm presença em todos os níveis sociais. Estão presentes desde zonas urbanas afastadas até a cúpula do poder”. As igrejas evangélicas, com sua capilaridade, criaram um sistema que consegue colocar representantes de seus membros em locais de poder, oferecendo possibilidade de ascensão social. Mas, ao contrário do que sugere o senso comum, as pesquisas apontam que a representação política dos protestantes não é tão simples quanto o “evangélico vota em evangélico”, diz Sofiati. Na realidade, as ciências sociais utilizam o termo voto denominacional para designar a fidelidade política dos crentes para com a sua igreja específica, e não a qualquer protestante. Sofiati afirma que, como outros conjuntos sociais, cada segmento defende os interesses de seu próprio grupo. “Alguns padrões emergem quando analisamos de fora – Igreja Universal do Reino de Deus é midiática, a Assembleia de Deus funciona diferentemente com seus vários ministérios – mas quando estudamos de perto a relação entre as denominações, vemos que o pragmatismo é a regra.” O pragmatismo é evidente na história das denominações. Poucas agremiações nasceram por razões fundamentais, como interpretação original das escrituras ou propostas de novos ritos. A principal razão para o surgimento de novas igrejas é a discordância entre os líderes religiosos. Sem uma instância superior para resolver conflitos e com a facilidade burocrática para criar organizações religiosas no Brasil, o país acumulou 30.666 entidades protestantes até 2010, segundo o censo do IBGE. Apenas 47 possuíam mais de mil membros, entretanto. O pastor do rebanho O bispo Oídes José do Carmo é representante da Igreja Evangélica Assembleia de Deus – Ministério Madureira – Campo de Campinas. A instituição afirma ter 420 congregações e mais de 60 mil membros. Tendo sido fundada em Goiânia em 1958, hoje este ministério da Assembleia de Deus está também na Europa, África e outros países da América Latina além do Brasil. Oídes do Carmo preside a igreja desde o falecimento de seu fundador, Albino Gonçalves Boaventura, em 2002.
Oídes do Carmo | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção-- Oídes do Carmo conta que tinha apenas 17 anos quando percebeu que sua vocação era a de ser um pregador. “A fé vem pela palavra do evangelho; a gente ouve a palavra de Deus e se converte a Cristo, não a uma denominação ou outra. Sigo na Assembleia de Deus porque é a igreja que encontrei há quase 50 anos quando me converti, com 17 anos de idade. Desde então, apenas segui o meu caminho natural: aceitei o chamamento divino e fui crescendo no pastorado.” O pastor, que encontrou a igreja na década de 1970, conta como era o mundo dos evangélicos. Muito antes de se tornarem um grupo participante na mídia, na política e na cultura do país, o grupo era marginalizado. Proibidos até mesmo de serem sepultados no mesmo cemitério que os católicos, o grupo cresceu nas classes mais pobres, oferecendo acolhimento onde o estado não alcançava. Sem a burocracia hierárquica de outras religiões, cada célula tem o potencial de formar um novo pastor que irá fundar sua própria congregação. Assim, o protestantismo cresceu em ritmo exponencial: lentamente a princípio, mas em ritmo acelerado nas últimas três décadas. “Antigamente era difícil até conseguir escola para nossos filhos. Mas a igreja foi tomando consciência do seu papel social, de se tornar uma entidade que transforma a sociedade, e não mais um elemento de segregação. Não foi uma decisão deliberada dos crentes de se organizarem na sociedade; foi uma coisa natural. A medida que a igreja cresceu, os membros foram ocupando o espaço em todas as áreas da sociedade. É natural que a população evangélica aumenta e vai sendo representada em todas as áreas. Não há um projeto de poder, não há uma intenção deliberada de dominação. Os evangélicos querem apenas pertencer e ser representados.” “Não houve mudança na estrutura da igreja, mas sim uma mudança de mentalidade: percebemos que não podemos atuar apenas no campo espiritual. Costumamos dizer: ‘Nós ainda não fomos para céu, ainda temos com o pé no chão’, ou seja, ainda temos um papel terreno, temos deveres com a cidade e sociedade onde vivemos”, resume o bispo Oídes do Carmo. Sobre as divisões entre denominações, o pastor afirma que não há rivalidade. “Cada igreja tem sua liturgia, seu modo de ser. A Assembleia de Deus é de origem pentecostal, então nos aliamos à doutrina que cobra o testemunho, a fé, o alinhamento do discurso com a prática. Outras denominações dão ênfase a rituais diferentes, mas todas as igrejas têm base no evangelho. Os líderes em geral se dão bem, há unidade para defender princípios e valores comuns”. Testemunho de um fiel No livro ‘Povo de Deus’ (284 páginas, Editora Martins Fontes, 2020) o sociólogo Juliano Spyer descreve o modo como as igrejas evangélicas abraçam as pessoas esquecidas pelo Estado: “As igrejas evangélicas funcionam como estado de bem-estar social informal ocupando espaços abandonados pelo Poder Público. As igrejas doam cestas básicas, mediam conflitos conjugais, cuidam dos doentes, acolhem os marginalizados, visitam os aprisionados e promovem a aculturação de uma massa de pessoas invisibilidades.” Em 2017, este jornalista escreveu seu Projeto de Conclusão de Curso (TCC) sobre adolescentes internos no Centro de Internação Provisória (CIP) que tiveram seus atos infracionais veiculados pela mídia. Eram jovens em conflito com a lei que cumpriam medida socioeducativa em Goiânia, em uma estrutura que já não existe mais porque pegou fogo em 2019, em um incêndio que matou dez adolescentes. Durante seis meses de pesquisa, entrevistando diariamente os adolescentes presos, conheci alguns que foram abandonados até mesmo por suas famílias, e que encontraram aceitação e redenção apenas na igreja evangélica.
Capa do TCC, feita por Kemuel Alves | Foto: Acervo Pessoal/Kemuel Alves/Italo Wolff-- Um deles, Lucas Silva*, teve seu ato infracional intensamente exposto em telejornais por mais de uma semana. A experiência fez com que fosse reconhecido em todos os círculos sociais a que tinha acesso. Com apenas 15 anos na época do ocorrido, a rejeição até mesmo entre colegas internos no CIP fazia com que sua socioeducação e reintegração na sociedade fosse altamente improvável. Segundo Lucas, os únicos pessoalmente interessados em seu desenvolvimento foram os voluntários da Assembleia de Deus que visitavam o centro semanalmente. Hoje, com 20 anos, ele conta em entrevista por telefone que permanece na fé evangélica. Lucas Silva relata ainda que a própria família tinha deixado de visitá-lo na época em que ficou internado no CIP. “Lá no centro de internação a maioria dos presos (sic) podia contar com família. Eu não. Era muito triste principalmente no dia do meu aniversário, natal. Na quinta-feira, dia de visitas, todos os colegas ficavam ansiosos para ver alguém. Eu não. Foi nessa época que fiquei amigo dos crentes, a princípio porque gosto de música e eles levavam um violão. Queria aprender as canções. Depois, criei relacionamento pessoal com o Thiago, o voluntário que é meu amigo até hoje”. A conversa com Thiago não eram sobre religião ou sobre o ato infracional de Lucas, ele lembra. Os dois conversavam sobre a visão que tinham do mundo, planos para o futuro. “Aos poucos, foi me convencendo que havia formas de conseguir o que eu queria dentro da lei. Mais do que isso, os crentes foram me mostrando que eu podia ser normal, ter família, emprego. Uma coisa que, para mim, na casa da família onde cresci, nunca foi uma possibilidade”. Por último, Lucas Silva julga a importância da “psicologia crente”, como ele mesmo categoriza. “Primeiro a igreja traz a ideia de perdão, de que Cristo pode te amar como você é e esquecer seus pecados. Se você tira a possibilidade de redenção da pessoa, ela está condenada a pecar para sempre. Depois, existe a regra, a ordem. A bíblia traz regras e eu, que cresci com pai criminoso e mãe ausente, precisava de regras. Eu aprendi a dizer não apenas depois de velho, já em liberdade, com 18 anos, na igreja. Antes disso, eu aceitaria drogas, cometer qualquer ato. Para mim não fazia diferença. Aprendi na igreja o que é certo aos olhos de Deus e é nesse caminho que eu me guio agora, sempre que tenho de fazer uma decisão”. Por Italo Wolff Fonte:https://www.jornalopcao.com.br/

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