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domingo, 6 de março de 2016

Às vésperas das eleições, ação pode deixar inelegíveis principais candidatos à Prefeitura de Águas Lindas

Suspeita de irregularidade na venda de 320 lotes de área pública é investigada pelo Ministério Público. O ex-prefeito Geraldo Messias é o principal político investigado

Leilão público em Águas Lindas é alvo de investigação do Ministério Público de Goiás. Foram vendidos 320 lotes por R$ 800 mil
Leilão público em Águas Lindas é alvo de investigação do Ministério Público de Goiás. Foram vendidos 320 lotes por R$ 800 mil
Marcos Nunes Carreiro
Casos (ou suspeitas) de venda irregular de áreas públicas não são novidade no Brasil. Nem sempre, as suspeitas se confirmam, mas todas geralmente de­man­­dam uma investigação por par­te dos organismos responsáveis. Em Águas Lindas de Goiás, uma apu­ração em andamento pode acabar deixando dois políticos inelegíveis para as eleições deste ano.
Em agosto de 2015, a titular da 5ª promotoria de Justiça de Águas Lindas, Tânia Bandeira, abriu inquérito civil para averiguar uma possível irregularidade na venda de 320 lotes por parte da Prefeitura. A venda foi feita em fevereiro de 2012, por meio de um leilão, do qual participou apenas uma empresa: a Construtora Hábil Ltda., que arrematou a área por R$ 800 mil.
O processo foi aberto com base em notícia de fato, encaminhada pe­lo oficial do cartório de registro de imóveis da cidade, Sandro Alexan­der Ferreira, informando que havia sido solicitada a averbação do leilão, algo que não pôde ser feito por suspeitas de irregularidades no certame.
Avisado, o Ministério Público, por meio da promotora, resolveu abrir procedimento administrativo para investigar a questão. Porém, a situação se agravou em janeiro deste ano, quando Sandro Alexander emitiu nota de devolução da área, por ter se negado a registrar a carta de arrematação dos 320 lotes, agora em nome da Construtora Hábil.
Promotora Tânia Bandeira: “Se detectadas irregularidades na venda, mesmo que o imóvel esteja escriturado, entraremos com ação para anulá-la”
Promotora Tânia Bandeira: “Se detectadas irregularidades na venda, mesmo que o imóvel esteja escriturado, entraremos com ação para anulá-la”
As razões da negativa são:
1) O suposto não pagamento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter-Vivos (ITBI), que deveria ter sido feito antes da emissão da carta de arrematação, com alíquota de 3,5%. Segundo o oficial, a alíquota constante nas guias é de 2%, isto é, abaixo do valor e ainda sem “notícia sobre o eventual recolhimento de juros e mora, multas ou anistia desses encargos”;
2) A não declaração do valor real dos imóveis. Para o oficial, o valor de venda está abaixo do valor de mercado, o que geraria prejuízo para o município e para o Estado.
A reportagem conversou com o oficial para que ele explicasse melhor sua posição. Por telefone, Sandro Alexander expõe a existência de uma “série de elementos estranhos” na venda dos 320 lotes. Ele afirma que, quando a em­presa foi transferir a área no car­tório, houve a constatação de que o ITBI não havia sido pago. “E o Código Tributário do município, em 2012, previa uma alíquota de 3,5%, que deveria ser paga quando fosse pegar a carta de arrematação. Pois a Prefeitura deu a carta, sem que pagassem o ITBI”, diz.
O oficial continua informando que, “quando foram pagar, agora em 2016, não cobraram multa, ju­ros, correção, nada. E ainda lançaram com o Código atual, que di­mi­nuiu a alíquota para 2%. Ou se­ja, uma visão completamente be­né­fica. Afinal, sobre qualquer tri­bu­to não pago, incidem juros, cor­reção monetária e multa. Sequer a inflação do período foi corrigida”, relata.
Dessa forma, para Sandro Ale­xander, “diante da grande quantidade de coisas erradas, avisei o Ministério Público. A Prefeitura ainda não explicou qual o critério usado para cobrar o ITBI daquela área. Várias prefeituras fazem uma espécie de Refiz, mas elas só podem fazê-lo se houver uma lei específica para isso. Nesse caso, não existe uma lei para isso; pelo menos não apontaram”.
Em relação ao ITBI, a promotora responsável pelo caso, Tânia d’Able Rocha Torres Bandeira, informou ao Jornal Opção que essa não é a maior preocupação do procedimento aberto pelo Ministério Público — o responsável pela Construtora Hábil diz que os impostos foram pagos ainda em 2012 (veja resposta na página ao lado). Para ela, há possíveis irregularidades mais graves.
A situação que poderia causar a a­nulação da venda, por exemplo, trata da modalidade empregada pela Prefeitura para colocar a área à ven­da. A lei que regula os mecanismos de licitação e alienação de bens pú­bli­cos é a Lei nº 8.666/1993. Em seu artigo 23º, inciso III, a legislação diz: “A concorrência é a modalidade de licitação cabível, qualquer que se­ja o valor de seu objeto, tanto na com­pra ou alienação de bens imóveis”.
A única exceção diz respeito àqueles bens imóveis cuja aquisição provenha de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento; nesta situação, o gestor pode adotar procedimento licitatório, sob duas modalidades: concorrência ou leilão. Dação em pagamento é quando o ente — neste caso, o município — aceita, por exemplo, imóveis como quitação de um débito.
Essa é a justificativa da Prefeitura de Águas Lindas, à época comandada por Geraldo Messias (PP), para o leilão que vendeu os 320 lotes. Os imóveis pertenciam à Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) e teriam sido adquiridos com a intenção de aumentar o cemitério da cidade, que já não tinha espaço para comportar a demanda.
A aquisição aconteceu em 2011, mas chama atenção o fato de, em dezembro do mesmo ano, ser aprovada a Lei Municipal 965/11 autorizando a alienação dos imóveis. Se todos os 320 lotes tivessem sido adquiridos por dação em pagamento, não haveria irregularidade no processo de venda, uma vez que a lei permite. O problema é que apenas uma parte dos lotes foi anexada ao município por meio de dação em pagamento; a outra foi comprada.
Logo, a modalidade correta para a venda da área seria a concorrência. A promotora explica: “O motivo pe­lo qual eu entendo que não poderia ser leilão é o seguinte: na certidão dos imóveis consta que o município adquiriu apenas parte desses imóveis por dação em pagamento, e não o todo. O valor total dos imóveis foi de quase R$ 500 mil; aproximadamente R$ 200 mil foi para quitação de tributos que a Caesb tinha com o município e o restante foi pa­go, em dinheiro, pela Prefeitura à Ca­esb. Ou seja, compraram o resto”.
Ela diz que, na matrícula dos imóveis, está escrito que a Prefeitura deu R$ 200 mil à Caesb, em dinheiro. “Então, os imóveis não foram ad­quiridos integralmente em dação em pagamento e a lei só permite leilão se for proveniente de dação em pagamento ou por processo judicial. As­sim, apenas parte dos imóveis poderia ser vendida por leilão”, conta.
Restrição de competitividade
O leilão dos 320 lotes, situados na Cachoeira e Saltador, denominados Chácaras do Descoberto, em Águas Lindas, aconteceu no dia 6 de fevereiro de 2012. Para o certame, apenas uma empresa compareceu, sendo consequentemente a vencedora.
A promotora vê nessa questão, também, uma possível irregularidade: “Como se verifica na ata de leilão, realmente somente compareceu a empresa Construtora Hábil Ltda. Isso é indício de que houve restrição da competitividade porque o município colocou à venda os 320 imóveis, em um único lote. Isso significa que quem desejasse adquirir teria que comprar todos os 320, o que acarreta uma restrição na competitividade do certame e inviabiliza a participação de outras empresas”.
O valor da venda
Existe outro questionamento em relação à venda e diz respeito ao valor pelo qual os 320 lotes foram alienados. O montante pago pela Construtora Hábil Ltda. pela totalidade da área foi R$ 800 mil. Aqui é possível retomar a fala da promotora Tânia Bandeira em relação ao ITBI.
Segundo ela, há fortes indícios de lesão ao erário municipal, pois o ITBI é calculado sobre o valor de cada um dos imóveis. “Con­siderando que há indícios de que o preço dado aos imóveis encontra-se subestimado, houve lesão ao patrimônio do município, tanto no valor recebido pela alienação quanto no valor a que teria direito em decorrência do pagamento do ITBI”, relata.
Porém, sobre o questionamento do oficial do cartório, Sandro Alexander, a respeito dos atrasos no pagamento dos tributos, a promotora diz: “É bastante comum que os adquirentes efetuem o pagamento de ITBI no momento em que se dirigem para escriturar os imóveis”.
A questão do valor da venda pode acabar afetando outro político, além do ex-prefeito Geraldo Mes­sias (PP). Airton Pereira dos Anjos, conhecido como Airton Corretor, é apontado como o indicado por Geraldo Messias para fazer a avaliação dos imóveis na época. O Termo de Avalição, que data de 22 de dezembro de 2011, estabelece o preço de 340 lotes — 20 a mais do que a quantidade colocada à venda — e foi assinado por três pessoas; uma delas é Airton.
Ele, que é corretor de imóveis registrado no Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci), é o atual pré-candidato à Prefeitura de Águas Lindas pelo PDT. Airton, segundo o processo, teria sido indicado pelo prefeito da época, Geraldo Messias (PP), para avaliar o valor dos lotes a serem vendidos.
Até o momento, Airton não é alvo de investigação do Ministério Público, pois não foi feita ainda a perícia de avaliação dos imóveis nos autos do inquérito. Dessa forma, não é possível dizer ainda, com precisão, o valor de cada um dos imóveis à época da venda.
Contudo, segundo a promotora Tânia Bandeira, consta nos autos que cada imóvel tem 2 mil metros quadrados, havendo indícios de que cada um dos imóveis deveria valer, à época, cerca de R$ 40 mil. “Consi­derando que foram alienados 320 imóveis, totalizaria R$ 12 milhões, mas o município vendeu por apenas R$ 800 mil”, conta.
Dessa forma, se for confirmada a discrepância entre os valores, não apenas Airton como as outras duas pessoas que assinaram o Termo de Avaliação — Vera Lúcia Rodrigues Piquiá e Gonzaga do Reis Gui­marães — poderão entrar na investigação.
Possíveis consequências
Se isso ocorrer, a promotora alerta: “Se provadas irregularidades e verificando-se dano ao erário, todos os envolvidos — Geraldo Messias, proprietários da empresa Constru­tora Hábil Ltda., bem como os responsáveis pela avaliação dos imóveis — podem ser condenados a ressarcir o dano ao erário, bem como nas sanções da Lei de Improbidade Administrativa em que consta proibição de contratar com o poder público, multa civil e suspensão de direitos políticos; esta última acarreta a inelegibilidade (Lei nº 8.429/92). Além disso, também pode ser pleiteado judicialmente a anulação do negócio jurídico de venda, se comprovada a fraude”.

O outro lado: Geraldo Messias, Airton Corretor e Construtora Hábil Ltda

Se confirmadas irregularidades, pré-candidatos em Águas Lindas, Geraldo Messias e Airton Corretor, podem ficar inelegíveis
Se confirmadas irregularidades, pré-candidatos em Águas Lindas, Geraldo Messias e Airton Corretor, podem ficar inelegíveis
O Jornal Opção ouviu os envolvidos nas investigações do Ministério Público. Geraldo Messias (PP) e Airton Corretor (PDT) poderão ser os mais afetados, caso se comprovem as irregularidades. Os dois são apontados como pré-candidatos à Prefeitura de Águas Lindas nas eleições deste ano. Assim, se provadas as irregularidades, pode acontecer de nenhum dos dois poder sequer disputar.
Geraldo Messias afirma ter certeza de que todos os atos de sua gestão foram feitos rigorosamente dentro da lei. “E tudo está lá, publicamente, para não só a imprensa como também o Ministério Público acompanharem. Leilão se faz perante uma comissão e tenho certeza de que tudo estava dentro da lei”, garante. Sobre o preço de venda estar abaixo do valor de mercado, ele diz: “Isso não existe. Foi visto o Plano Diretor e também o preço do metro quadrado da época. Então, isso é fantasia”.
Airton Pereira dos Anjos, o Airton Corretor, ainda não é investigado. Até o momento, de acordo com o Ministério Público, os investigados são a Construtora Hábil Ltda. e o ex-prefeito Geraldo Mes­sias. Airton somente será alvo do inquérito, se comprovado que a avaliação dos imóveis assinada por ele é irregular. Porém, como seu nome foi citado, o Jornal Opção o procurou. E ele sustenta que não tem conhecimento do processo.
“Sou corretor de imóveis e faço avaliação para todas as pessoas e não cobro. E não fiz nenhuma avalição acima ou abaixo do valor de mercado. Eu fiz uma avaliação de acordo com os valores da época e não recebi um centavo. Me pediram para fazer, eu fiz, mas desconheço quem vendeu ou quem comprou”, alega.
Ele garante não saber do leilão, embora confirme que fez a avaliação. “Quando a Prefeitura ou qualquer outra pessoa vende, eu não tenho nada a ver com isso. Eu não faço par­te de vendas de imóveis da Pre­feitura. Eu compro e vendo imóveis quando eu fecho contrato com a pessoa. Eu fiz a avaliação de alguns, mas não sei se foi de todos. E fiz a avaliação no preço que valia na época. Aquela é uma área bem afastada do município, que fica perto do cemitério e que não tem tanto valor”, frisa.
A posição da construtora
O Jornal Opção também procurou a Construtora Hábil Ltda., um dos principais alvos do inquérito civil do Ministério Público em relação ao processo licitatório que vendeu os 320 lotes. Quem respondeu os questionamentos da reportagem foi Fernando Eurípedes de Souza, sócio-administrador da construtora, que tem sede em Goiânia.
Ele assegura que não há irregularidade alguma no processo em que sua empresa adquiriu a área pública alienada pela Prefeitura de Águas Lindas e informa que já encaminhou toda a documentação para o Ministério Público — mesmo que não tenha sido pedido — a fim de esclarecer a situação.
Em relação ao valor dos imóveis, que está sob averiguação por suspeita de estar abaixo do preço de mercado, Fernando diz que a localização da área não favorece um preço superior ao que foi pago por sua empresa no leilão. “Lá tem um cemitério ao lado e uma linha de alta tensão, que passa em cima da área. Essa linha vai cortando a cidade e deixando um vazio; também tem um lixão na divisa. Então, a área tem alguns inconvenientes”, expõe.
Para ele, é possível afirmar que a avaliação da época — R$ 800 mil — foi até acima do valor de mercado, “tanto que não houve muitos in­teressados. Além disso, o valor pelo qual a Prefeitura adquiriu os lo­tes foi R$ 400 mil, mais ou me­nos. Inclusive, disseram que os avaliadores chegaram ao teto. Então, foi lícito e público. Eu tenho interesse na região e arrematei o lance pe­lo valor de avaliação deles. In­clu­sive, tive que pagar 5% a mais para pagar a leiloeira, como é de praxe”.
Sobre o não pagamento do ITBI, algo questionado pelo oficial do cartório de registro de Águas Lindas, Fernando diz que sua empresa efetuou o pagamento do imposto. “O Sandro está fazendo uma grande confusão. Inclusive fui à Cor­regedoria para reclamar. Eu paguei as custas do cartório; R$ 53 mil de custas, um valor alto. Pagamos as custas e o imposto. Me deram o recibo e, depois, apareceu isso. Meu pessoal até ligou para alertá-lo, mas ele já havia passado a nota de devolução pedindo esclarecimento. Já encaminhamos o material para ele e a Prefeitura também deve estar fazendo o mesmo”, assegura.
Atual gestão
As ações investigadas são de responsabilidade da antiga gestão, de Geraldo Messias (PP). Porém, mes­mo que não se responsabilize pelas consequências, foram solicitados à atual gestão, de Hildo Can­dango (PTB), documentos ne­ces­sários para a investigação. Em relação a isso, a promotora Tânia Bandeira afirma que alguns documentos já foram encaminhados, mas que a solicitação ainda não foi atendida integralmente. Foram também solicitados documentos ao Cartório de Registro de Imóveis.
Para saber o motivo do atraso na entrega dos documentos solicitados, o Jornal Opção entrou em contato com a Procuradoria-Geral do Município de Águas Lindas, cuja titular é Julianna Machado Arantes Moretto. Contudo, até o fechamento desta edição, a procuradora não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Fonte: Jornal Opção

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