Por: Kelly Maria Ferreira
Toda vez que eu toco nesse assunto — religioso envolvido com política — a cena se repete. Basta eu postar, comentar ou questionar o jeito como isso é feito, que aparecem os fãs de carteirinha. Não vêm para conversar. Vêm para defender. E a defesa quase sempre é a mesma: “se não fosse bíblico, Deus não teria colocado José do Egito, Daniel, Ester e outros em posições de poder”.
Só que aí é justamente onde a comparação desmorona.
José não foi para o governo porque queria influência. Ele chegou ao poder depois de perder tudo: família, liberdade, nome. Não usou Deus como discurso, não construiu seguidores, não pediu fidelidade pessoal. Governou para salvar vidas — inclusive de quem nem acreditava no Deus que ele servia. O cargo veio depois do caráter, nunca antes.
Daniel serviu governos que nem conheciam a fé dele. Não usou religião para agradar reis nem para controlar pessoas. Quando a lei entrou em choque com sua consciência, ele não negociou, não se explicou, não fez campanha. Pagou o preço. E pagou caro.
Ester não buscou palco, buscou coragem. Não entrou para ganhar voz, entrou para arriscar a própria vida. Usou a posição para impedir uma tragédia coletiva, não para virar referência política ou espiritual. Não pediu aplausos. Agiu em silêncio.
Agora olha para o presente. Muita gente entra na política dizendo servir a Deus, mas não aceita questionamento. Não perde privilégios, acumula. Não serve primeiro, exige lealdade. Não presta contas, cria torcida. E quando alguém aponta isso, a reação não é reflexão — é idolatria travestida de fé.
O problema nunca foi um servo de Deus ocupar espaço público. Isso sempre existiu na história bíblica. O problema é como esse espaço é ocupado. Quando o nome de Deus vira argumento de poder, quando o púlpito vira palanque e quando seguidores viram fãs cegos, já não estamos mais falando de José, Daniel ou Ester.
A Bíblia nunca exaltou cargo. Sempre expôs caráter. E é exatamente isso que incomoda quando a comparação é feita do jeito certo.

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